Deve-se a Cristopher McQuarrie o argumento de um filme magnífico, "Os Suspeitos do Costume", que Bryan Singer filmou como se estivesse bafejado por qualquer dom divino. É um dos grandes títulos do "thriller" cinematográfico e um jogo visual e de representação absolutamente brilhante.
Em 2000, McQuarrie dirigiu a sua primeira longa-metragem, "The Way of the Gun". Era um filme sólido. Este ano, dirigiu a sua segunda longa-metragem, "Jack Reacher". Segundo as primeiras impressões, cinematograficamente, o trabalho ficou bem feito.
Tom Cruise é um bom actor e, para o caso, interessam pouco os desvarios a que possa ter-se dedicado por obra e graça da Cientologia. Os vários filmes de acção que tem no currículo não fazem esquecer o seu trabalho quase perfeito em "Eyes Wide Shut", o último filme de Stanley Kubrick.
Tom Cruise tem 1 metro e 70 de altura e não chega a pesar 80 quilos.
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Tom Cruise NÃO é Jack Reacher |
Lee Child, o inglês que publicou nos EUA o seu primeiro romance, "The Killing Floor", em 1997, é o criador de uma das figuras mais fascinantes do "thriller" contemporâneo: Jack Reacher.
Ao cabo de 17 títulos (este ano, foi a vez de "A Wanted Man"), todos com Jack Reacher, sabemos todos os que gostamos das histórias de Lee Child o que é, e quem é, Jack Reacher.
Major da Polícia Militar dos EUA, Jack Reacher serviu as Forças Armadas durante 13 anos e o "downsizing" do aparelho militar fê-lo sair das fileiras. Nascido e criado nos meios militares, foi despejado na vida civil e vai andando pela América, na companhia de uma escova de dentes. Como mandam as boas regras do género, enfrenta (e vence) numerosos "bad guys". Um elemento essencial da personagem de Jack Reacher é, além das suas qualidades de combatente, a sua dimensão.
Lee Child descreve-o - sempre - como tendo praticamente 2 metros de altura e 100 quilos de peso, cabelo louro sujo e olhos azuis claros. E o seu tamanho, a rapidez com que, não obstante, se move, o raciocínio dedutivo e científico a que se entrega quando e a concentração de todas essas mais-valias num propósito bem definido (como são, por exemplo, os confrontos com os seus adversários) tornaram-se características únicas que definem a personagem.
Estranhamente, até ao momento, as aventuras de Jack Reacher estiveram sempre alheadas do cinema e a explicação mais óbvia é a da inexistência de um actor da "série A", ou de primeira linha e capaz de ser atracção de bilheteira, para interpretar Reacher que, também, é quase quarentão.
Lee Child, que devia andar - compreensivelmente - desesperado com o atraso na transformação de Reacher em personagem de cinema, já disse que não há actores altos em Hollywood. A observação falha o alvo. Ray Stevenson podia ser Jack Reacher. Mas não é da "série A".
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Ray Stevenson poderia ser um óptimo Jack Reacher |
"Jack Reacher", o filme, saiu da união de esforços de McQuarrie e de Cruise e baseia-se num romance bem construído mas menos recente de Lee Child, que é "One Shot". É possível que, cinematograficamente, seja um bom produto e a revista "Empire", zelosa dos valores britânicos, já deu quatro estrelas a "Jack Reacher".
O problema é que Tom Cruise não tem a dimensão nem a presença físicas de Jack Reacher como Lee Child o concebeu e o clamor de protestos que se generalizaram na internet expressa-o bem: Jack Reacher tinha de ser retratado como Jack Reacher no cinema... e não transformado no diminuto Tom Cruise.
É isso que, independentemente de outras qualidades, indispõe tanta gente, que se habituou a um estilo de histórias com um estilo de personagem que nem com sapatos de alto alto Tom Cruise consegue representar.
E é também por isso que eu - apreciador de McQuarrie, Cruise e Lee Child (cujos livros aparecem atabalhoadamente em Portugal, como se fossem lançados por alguém que não gosta mesmo daquilo que faz) - não tenciono ir ver "Jack Reacher", de Christopher McQuarrie. Para manter intacta a imagem de Jack Reacher tal como existe em todos os 17 livros da série que li com muito gosto.