Consta que não há democracia sem uma imprensa livre e esclarecida. O que agora aconteceu - e que a seguir se narra em três andamentos - lança fundadas dúvidas sobre uma imprensa já de si apressada, acentuando a crise de credibilidade e a de solidez financeira de um sector que já viveu melhores dias.
Este caso tragi-cómico (que pôs um dos directores do "Expresso" a recomendar que se seguisse o "exemplo" do "Artur"...) é uma história adequada ao Natal em tempo de crise e de viragem.
Boa noite, e boa sorte.
(...) Artur Baptista da Silva, o homem que nos últimos dias deu três entrevistas na qualidade de coordenador do Observatório Económico e Social das Nações Unidas é afinal um farsante. Segundo o i apurou ontem, foi o Ministério dos Negócios Estrangeiros que ao tentar confirmar o relatório que analisava a política de austeridade portuguesa deparou-se com uma fraude: nem o homem trabalha na ONU nem o observatório referido existe.
Sempre calmo e com respostas preparadas, nas três entrevistas que deu – jornal “Expresso”, SIC e TSF – defendeu que Portugal não deveria ter pedido o resgate financeiro à troika, uma vez que o Brasil já havia dado “luz verde” para comprar a dívida pública nacional. Algo que – antes da confirmação da falsa identidade deste homem – o i confirmou ser uma informação incorrecta através de uma fonte oficial do governo liderado por Dilma Rousseff.
Entrevistado no sábado pelo editor de política da rádio TSF, o homem disse que as condições da alegada ajuda lusófona beneficiariam mais Portugal que as que foram apresentadas pela troika. (...)Terminou a entrevista à TSF a criticar as condições do resgate financeiro a Portugal, considerando-as “incumpríveis”. Aquilo que defendeu mereceu até um artigo de opinião de Nicolau Santos no “Expresso” desta semana: “O que diz Artur e o governo não ouve.” (...)
Artur Baptista da Silva burlou quem? A mim que ouvi a entrevista que concedeu à TSF tudo aquilo que ele disse pareceu-me igualzinho ao que diariamente dizem e escrevem dezenas de pessoas em Portugal. Artur Baptista da Silva só burlou aqueles que pensam como ele e que ficaram horrorizados quando perceberam que o seu guru não era funcionários das Nações Unidas. O alegado burlão (se os assassinos são alegados os burlões tb são gente) dizia aquelas frases redondas com que rádios e televisões nos matraqueiam os ouvidos de manhã à noite. Ele dizia as burlas convenientes. Foram os jornalistas ansiosos por colocar aquilo que pensam na boca de um especialista que lhe fizeram a fama.
Nuno Gouveia, blogue 31 da Armada, 23.12.12
(...) E agora? O ciclo noticioso é frenético, e basta aparecer um órgão a citar um charlatão para todos os outros irem atrás, sem pararem um minuto para pensar e investigar. Talvez tenha sido isso que aconteceu, mas era importante que os responsáveis editoriais assumissem as suas responsabilidades. Como é que ele apareceu? Porque lhe deram voz? Convida-se assim pessoas para intervir no palco mediático, apenas porque alimentam a narrativa preferida? Não se pergunta a ninguém ou recorre-se o Google para verificar se o sujeito tem a mínima credibilidade para participar num dos programas mais respeitados da televisão portuguesa? Um momento negro para a imprensa portuguesa. (...)
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