segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Escrytos: um jogada inteligente, a ley do eucalipto e algumas questões a propósito



 
Se conjugarmos a apetência portuguesa pelos "gadgets" e uma certa disponibilidade para o usufruto dos produtos culturais (que, de preferência, não tenham de ser pagos), é intrigante a quase irrelevância dos "e-books" em Portugal.
Da forma mais empírica possível (e nem sei se há elementos de análise), é fácil perceber como "toda a gente" faz "downloads" de filmes, séries de TV e música e como há pessoas que compram livros em supermercados, na maior parte dos casos sem disporem de critérios ou de informação para lá da capa ou de que poderão ter conseguido, ou ouvir, na televisão. Se houvesse mais "e-books", haveria mais pessoas a querer ler livros? Penso que sim.
A explicação para a ausência dos "e-books" pode ter subjacente uma lógica de pescadinha-de-rabo-na-boca: o público que os poderia procurar não se manifesta interessado porque nem os encontra (as editoras que vendem "on line" não têm os "e-books" à vista, por assim dizer), os editores não investem e por isso não há oferta... e o público passa ao lado.
 
As novas edições de autor
 
Por outro lado, a ausência de visibilidade dos "e-books" também tem permitido a proliferação de uma vertente de negócio bastante discreta: a auto-publicação, ou edições de autor, como antes se dizia.
Muitas pessoas que escrevem optam pelo pagamento das edições dos seus próprios trabalhos porque não os conseguem vê-los aceites pelas editoras para serem publicados em livro impresso.
Hoje, sobretudo a partir do momento em que se generalizou a impressão digital, existem no mercado empresas diversas que publicam, à sua maneira, as edições de autor: os autores escrevem, pagam a edição e ela sai, com maior ou menor êxito de colocação nos postos de venda, em livro com uma marca do editor. Os autores raramente ganham alguma coisa, estes editores não perdem dinheiro e o público não vê as obras.
Quando, há dias, escrevi isto, estava a pensar na alteração deste paradigma: e se quem escreveu um livro conseguisse, com um mínimo de apresentação e de custos (ou mesmo gratuitamente), fazer a sua divulgação em formato digital?
Em termos práticos, e numa fase em que as editoras se retraem, numa mistura de auto-protecção, "downsizing" e auto-flagelação pelos excessos do passado, uma pessoa pode escrever uma história extraordinária que não seja catalogável, tipo pronto-a-vestir, como "best seller" e torná-la pública, em formato digital. Não gasta dinheiro na impressão em papel, pode conseguir mais leitores e, um dia, uma editora pode mostrar-se interessada na sua publicação em livro impresso.
 
A Escrytos
 
É possível que a Leya, onde existe a tendência para misturar os picos de inovação com retracções apressadas, tenha considerado todos estes vectores quando decidiu avançar com a sua plataforma de auto-publicação, a que chamou Escrytos.
Nela, da forma mais simples e obviamente gratuita, qualquer pessoa pode publicar o que quiser (supondo que se aplicam todos os parâmetros legais em vigor quanto aos conteúdos) como "e-book", vendo depois o seu produto comercializado pelo preço que quiser, ou mesmo oferecido, nos postos de venda onde a Leya vende os seus "e-books".
Se o interessado quiser ir mais longe e, mesmo, propor a sua publicação em papel à Leya, terá de pagar "à la carte" os serviços mais especializados que são postos à sua disposição. A iniciativa é, sem dúvida, inteligente.
 
Duas observações
 
Pelo menos gradualmente, será natural que a Escrytos acabe por levar à extinção as empresas que sobrevivem graças à auto-publicação em papel. É uma lógica de eucalipto que é inevitável. A evolução do mercado dirá da bondade ou da maldade da coisa.
Por outro lado, e na ausência de critérios de base, misturar-se-á na Escrytos tudo com tudo - o que é bom e o que não é, os versos de pé quebrado com a melhor poesia, as confissões diaristas com os contos mais habilidosos, os ensaios sobre tudo com os trabalhos científicos mais inovadores, os romances mais desastrados com as potenciais obras-primas. Para alguns autores e potenciais autores pode não ser a melhor opção.
A alternativa, mais tarde ou mais cedo, será uma editora de "e-books" num formato de negócio semelhante, capaz de distinguir a qualidade e de a promover, sem descurar a possibilidade de optar também por edições em papel se as circunstâncias o facilitarem, procurando um novo paradigma capaz de captar tanto os entusiastas dos "gadgets" como os leitores tradicionais.
Como em tudo, a concorrência é saudável e a capacidade de debater sem preconceitos também.


Nota: Os termos do contrato a estabelecer com a Leya no âmbito deste formato de edição não estão, salvo erro, abertamente disponíveis no site e poderão estar apenas visíveis na área reservada em que o "autor" tem de se inscrever.
Seria, no entanto, preferível que todas as condições fossem bem claras.
Se a informação sobre os cinco anos de "venda da alma", como bem diz o meu visitante anónimo no comentário publicado, é verdadeira, parece-me no mínimo excessivo.
A restrição dos cinco anos pode, muito naturalmente, afastar algumas pessoas, que ficarão mais disponíveis para iniciativas semelhantes mas menos exclusivistas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Já leu o contrato que tem de assinar em papel e em que vende a alma à Leya durante 5 anos? Tá lá no site.

Anónimo disse...

É tudo muito bonito, mas os responsáveis parecem esquecer-se (propositadamente) de mencionar detalhes como a questão da exclusividade de 5 anos (ler o modelo do contrato), sem que isso represente qualquer tipo de vantagem comercial para os autores, uma vez que a única coisa que a plataforma oferece é mesmo a distribuição. A distribuição, por si só, não justifica a retenção de 75% dos valores das vendas, enquanto os autores (que têm o trabalho criativo) ficam apenas com 25%.

Este modelo de autopublicação não recompensa devidamente os autores e, além disso, assenta numa estrutura arcaica se o compararmos com, por exemplo, as plataformas de autopublicação da Amazon e do Smashwords. Estas duas plataformas oferecem uma maior margem de lucro e, ao contrário da Escrytos, permitem a alteração do preço de venda após a publicação, bem como o carregamento de um manuscrito revisto caso sejam encontrados erros ou gralhas após a publicação.

Nestas condições, optar por publicar na Escrytos em vez de o fazer na Amazon e no Smashwords poderá ser o equivalente a descer de cavalo para burro.