terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Ravasqueira a vender "vinho da UE": por onde anda o vinho espanhol? (2)


Um dos formatos de venda de vinho em Portugal, além das garrafas, é o do “bag in the box” (BIB), que consiste em sacos cheios de vinho (normalmente em quantidades de 5 e de 10 litros), que são acondicionados em caixas de cartão. 

Se o acondicionamento, armazenamento e qualidade forem bons, é uma forma perfeitamente aceitável para comercializar, e consumir, vinho (ao longo de alguns dias), tendo substituído os antigos garrafões na comercialização a granel. Os BIB acolhem bem os vinhos correntes mas já não servirão para os vinhos de guarda ou de reserva.

Os elementos informativos do formato BIB são mínimos, mas dizem muito a respeito do vinho: quem é o produtor (ou comercializador), qual é a origem, qual é a graduação e se tem indicação de ano de colheita e de castas.

O elemento informativo mais elucidativo pode ser o da origem. O vinho que contém é português ou será… “Vinho da UE”? A designação de “vinho da UE” indica que o vinho é de outro país da União Europeia que não Portugal.

No sector do BIB, há produtores e há vendedores, e que são apenas vendedores (ou comercializadores) de vinho importado. Não há nada, na legislação, que impeça a venda de vinho importado no mercado nacional, engarrafado de origem ou por cá, mas os consumidores (mais ou menos enófilos) poderão querer saber se o seu vinho é português ou estrangeiro.

Quando compro vinho, em garrafa ou em BIB, há quatro coisas que tento saber: quem o vende (ou produz, e de que região é), qual o ano de colheita, de que castas são as uvas empregues e, sem que isso seja factor decisivo, qual a sua graduação.

Quando, há poucos dias, estive a examinar a oferta de vinhos BIB num supermercado da cadeia Intermarché, reparei que havia dois vinhos provenientes (“acondicionados”) da famosa empresa Ravasqueira, de Arraiolos (Alentejo), com a designação “vinho da UE”: “Cavalo Sagrado” e “Cerca Velha”. Este, branco e tinto, está à venda por 5.99€, o que dá 1.20€ por litro. O “Cavalo Sagrado”, só tinto, custa 7.99€, o que dá 1.59€ por litro. 

Curiosamente, num folheto do Intermarché, com validade de 25 de Janeiro a 14 de Fevereiro, o “Cavalo Sagrado” baixa de preço para 6.99€, aparecendo as duas marcas junto de coisas tão sem qualidade como o “Alto de Pias”, o “Amor de Pias”, o “Capataz”, o “Alto das Serpas” e o “Dom Campos”…




O "Cerca Velha"




O "Cavalo Sagrado"



Más companhias


Não é raro encontrar vinhos comercializados em formato BIB de empresas que também vendem vinhos em garrafa, que são mais caros, e que tentam posicionar-se no mercado com uma imagem de qualidade acima de qualquer dúvida. Toma-se como certo, e aceite, que o vinho do BIB é vinho corrente, menos trabalhado e com pouco ou nenhum estágio, com um preço obviamente mais baixo. Os vinhos de maior qualidade serão engarrafados, com preços mais elevados (ou, mesmo, muito mais elevados, incluindo-se o custo das garrafas e do engarrafamento na formação do preço final).

Regressemos à Ravasqueira, que pertence à empresa Sociedade Agrícola Dom Dinis, de Arraiolos, que invoca uma história de 81 anos de idade e o magnata José Manuel de Mello como seu fundador.

No seu site encontramos vinhos como o “Encantado” tinto de 2021 a 9€ a garrafa, o “Nero D’Avola” de 2013 a 16€, o “Heritage” tinto de 2017 a 50€, o “Premium Alicante Bouschet” de 2014 também a 50€. Em matéria de BIB é que não há nada. É evidente que o “Cerca Velha” e o “Cavalo Sagrado” (até como vinhos "da UE") fariam má figura neste palmarés. De qualquer modo… justifica-se escondê-los?

Porque a questão fundamental acaba por ser esta: os dois BIB do Intermarché, que é uma discreta cadeia de supermercados, parecem estar a ser vendidos às escondidas, como se a Ravasqueira tivesse vergonha de o fazer.

E quando se olha para uma situação destas, há duas perguntas que não podem deixar de ser feitas: esta venda de “vinho da UE” é uma maneira de fazer dinheiro rapidamente, comprando e vendendo num sector que consome de forma pouco avisada? Ou será que este “vinho da UE” é vinho que sobrou de qualquer compra feita em excesso de vinho de outro(s) país(es)... e que foi usado para outros fins?

Já agora, este "vinho da UE" será vinho de Espanha, do tal que entra (no mercado) sem se saber por onde sai?

Uma coisa é certa: como consumidor, nunca mais conseguirei olhar da mesma maneira para os vinhos da Ravasqueira, sejam eles quais forem, nem muito menos comprá-los, porque não poderei ter a certeza de que neles não existe “vinho da UE”.


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