quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Caetano e Spínola, Zelenksy e Zaluzhny

Em Janeiro de 1974, o nosso país entrava no décimo-terceiro ano de uma guerra inglória: um exército de um pequeno país da Europa, que era mantido pela força, era obrigado a tentar vencer uma guerra de guerrilha, com apoio popular, em três países de África. Os movimentos independentistas de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau não queriam a soberania de Portugal e na Guiné-Bissau a guerra já estava perdida graças aos mísseis oferecidos pela URSS aos guerrilheiros do PAIGC.

Uma das pessoas que o percebeu foi o general português António de Spínola que, exercendo o cargo de comandante militar na Guiné-Bissau entre 1968 e 1972, se recusou a aceitar uma segunda nomeação para o mesmo cargo. 

Spínola, que granjeara prestígio militar e político na Guiné-Bissau, tornou-se um factor de inquietação para o governo português quando começou a defender o fim da guerra nas colónias e a criação de um Estado federalista que englobasse Portugal e os novos países que resultariam das colónias.

Marcelo Caetano, primeiro-ministro, com o apoio do Presidente da República de então, Américo Thomaz, convidou-o para ser ministro do Ultramar em 1973. Spínola rejeitou a oferta. Em Janeiro de 1974, no entanto, e por influência do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Costa Gomes, aceitou ser vice-chefe do Estado-Maior.

A nomeação não o sossegou e, em Fevereiro de 1974, publicou o livro "Portugal e o Futuro", defendendo abertamente a tese federalista, que era apoiada por sectores significativos da sociedade civil mais conservadora, e o consequente fim da guerra nas várias frentes. Isolando Spínola e Costa Gomes, a maioria da hierarquia militar (que defendia a continuação da guerra), declarou publicamente a sua lealdade ao Governo. Spínola e Costa Gomes, que também nunca escondera a sua preferência por uma solução não militar para as colónias) foram demitidos em Março de 1974.

Um mês depois, em Abril de 1974, Spínola e Costa Gomes regressaram à cena política, encabeçando o movimento de oficiais que, no dia 25, derrubou o governo de Marcelo Caetano. Foram ambos, e por essa ordem, os dois primeiros Presidentes da República do Portugal democrático.


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A guerra na Ucrânia (que a Federação Russa designou por "operação militar especial", em Fevereiro de 2022) está perdida para o governo ucraniano de Kiev. 

Não há surpresas nisto nem, tão pouco, heresias (por muito que alguns assim o entendam). É a simples realidade dos factos.

Desde essa altura que a Rússia intensificou a produção industrial de todo o tipo de equipamento militar e de mobilização de futuros soldados. Bastaria atender à desproporção entre os dois países para perceber que, mesmo com a canalização de armas e de dinheiro do estrangeiro para o governo de Kiev, a vitória militar sobre a Rússia seria impossível. Nem o esvaziamento dos armazéns e dos cofres dos países da NATO, que já não estavam a fabricar armas numa perspectiva de defesa territorial, permitia alimentar esse sonho. Nem, tão pouco, a  miragem de uma contra-ofensiva milagrosa.

Durante vários meses, o governo de Kiev foi anunciando uma contra-ofensiva que até iria derrotar a Rússia. Mas, durante esse período, a Rússia criou uma linha defensiva poderosíssima a proteger o próprio país e os territórios que retirara ao domínio de Kiev. E é espantoso que os grandes especialistas da NATO e dos seus países não tivessem percebido que a contra-ofensiva seria um fracasso.

Como foi, portanto, cabendo ao general ucraniano Valery Zaluzhny, o chefe do Estado-Maior com conhecimento das situações concretas, o papel ingrato de reconhecer que a vitória era impossível. Ou seja, que era (e é) a derrota que está no horizonte militar do governo de Kiev.

Os militares devem saber compreender quando já não é possível vencer o inimigo pelas armas. Spínola soube-o e os chefes políticos (Caetano e Thomaz) puseram-lhe a cabeça a prémio. Zaluzhny também soube e o presidente ucraniano Zelensky fez igual, pedindo a Zaluzhny para deixar o cargo, oferecendo-lhe outros lugares (hipóteses que o general recusou) e, finalmente, acabando por demiti-lo do cargo.


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Valery Zaluzhny e Andriy Stempitsky, sob o olhar inspirador de Stepan Bandera


E o que fará agora o famoso general ucraniano? Beneficiando do apoio dos militares, Zaluzhny tem sido visto como um adversário político real para Zelensky, cujo mandato presidencial terminará, de acordo com a lei, em 15 de Março.

Em princípio, haveria eleições, mas o próprio Zelenksy, que é obviamente parte interessada numa posição que lhe tem sido bastante favorável, tem sugerido que o estado de guerra em que o país se encontra não permite eleições. 

Não seria, portanto, dessa maneira que Zaluzhny (que beneficia de elevados índices de apoio popular, mais do que o presidente em funções) poderia substituir Zelensky, que se transformou num intermediário duvidoso do dinheiro que tem sido atirado para Kiev, num obstáculo à inevitável negociação que tem de pôr termo ao conflito e no principal responsável pela destruição do seu próprio país e dos seus concidadãos.

Há menos de uma semana, Andriy Stempitsky, comandante da 67.ª Brigada Mecanizada ucraniana, publicou no Facebook uma fotografia que tirou com Zaluzhny, já demitido, tendo por fundo um retrato de Stepan Bandera, um ucraniano famoso por ter colaborado com os nazis. E o que ela sugere, voluntária ou involuntariamente, é que Zaluzhny está bem atento, e tendo por inspiração o ídolo mais conhecido da extrema-direita ucraniana. 

A fotografia, carregada de significado, foi reproduzida (e comentada) aqui. A imprensa portuguesa ignorou-a.



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