A descrição é terrível:
"Que desgraça, foi um banho de sangue, Jesus!", diz outra vizinha, que pede também anonimato. "Havia sangue na sala, nos corredores, nas escadas, até a ambulância ficou toda manchada", diz a mulher. O cenário seria tão horrendo que "até os polícias e os auxiliares do INEM estavam chocados e comovidos".
Aconteceu tudo muito depressa: as crianças brincavam na sala e o cão estava fechado no terraço, que divide com outro dogue. Alguém se distraiu com a porta e um dos cães (só um atacou) avançou e abeirou-se das duas meninas. Por que razão atacou? A família não sabe e os donos do animal não quiseram prestar declarações, mas vizinhos dizem que "o cão estava a lamber a cara à menina, ela agarrou-lhe as orelhas e ele mordeu. E nunca mais largou".
Este foi, segundo o relato do "Jornal de Notícias" da passada segunda-feira, um dos ataques mais violentos de um cão a uma pessoa nos últimos tempos.
Mas não é o único e as notícias são frequentes, envolvendo cães de grande porte potencialmente perigosos em espaços confinados, de quintais (ou recintos onde ficam a fazer de cães de guarda) e de apartamentos, muitas vezes fechados em espaços exíguos e sem qualquer tipo de exercício. Não estão "legalizados", servem muitas vezes de adorno ou de elemento de intimação e/ou de estatuto social, a socialização é reduzida e não têm qualquer tipo de treino ou de educação. As vítimas são, em geral, elementos mais fracos ou debilitados da sociedade (mulheres, muitas vezes idosas, e crianças).
A solução, que se saiba, é sempre a mesma: o cão - que devia ter tido outra vida - é executado, o dono (se existe e pode ser identificado... mas como?) pode ser multado. Pelo caminho ficou alguém estropiado, muito ferido ou mesmo morto.
E depois erguem-se as carpideiras: a lei existe mas não serve de nada, os cães não têm culpa (mas são eles que morrem) e há sempre outro cão fácil de obter para substituir o outro que, no fundo, cumpriu uma inglória função de arma ou de brinquedo.
A lei aplicável parece cheia de boas intenções mas indigna os que percebem que um dogue argentino, um pitbull ou um rottweiler podem ser tão treinados, educados e sociabilizados como um beagle, um cocker ou um boxer. E não chega para dissuadir os outros, os que não se preocupam com a lei e que fazem gala em passear com as suas "armas" de quatro patas sem qualquer tipo de controlo para mostrar que eles é que são bons.
Por difícil que seja, a questão tem muito a ver com a educação dos próprios donos e das pessoas, em geral.
Para muita gente, um cão possui-se, como um objecto qualquer. Com sorte, ou com dinheiro, aguenta-se o animal depois de ter crescido e depois de ter deixado de ser engraçadinho. Não se educa, não se compreende. Não há grande preocupações com o que come e em matéria de vacinas e de idas ao veterinário... nem vale a pena pensar.
Depois de ter protestado por não poder entrar num certame, eventualmente desinteressante, no Bombarral, fui bombardeado (além de insultos, consentidos pela Câmara Municipal do Bombarral) pela indignação de alguns para quem um cão (com trela e acompanhado pelos donos) num local público significa sempre excrementos colados às solas.
Quem assim pensa está mais próximo do que se pensa dos que utilizam os cães potencialmente perigosos: é gente que nunca teve educação sanitária, que não sabe o que ela é e que se calhar também defeca e urina na rua.