segunda-feira, 26 de maio de 2014

Um ex-libris para esquecer



 
 

Suponho que a estação de comboios de Caldas da Rainha, que foi construída e aberta no final do século XIX, não é um monumento nacional.
Terá, para esta cidade, um valor patrimonial simbólico por ser a porta de entrada e de saída em Caldas da Rainha ao longo das muitas dezenas de anos em que a Linha do Oeste ligava diariamente o concelho ao resto do País e, nomeadamente, a Lisboa.
O edifício que tem azulejos tradicionais na parte traseira (que dá directamente para as linhas), nunca se destacou muito pelo seu porte modesto e pela perda de importância em termos de transportes públicos..
Com a Linha do Oeste praticamente moribunda e as ligações a fazerem-se pela A8, a estação perdeu importância prática.
Mas era, para todos os efeitos, um "ex-libris" caldense (que até teve direito a constar da colectânea "Ontem e Hoje", do jornal "Gazeta das Caldas"), uma imagem no final da Avenida 1.º de Maio que compunha um dos cantos da cidade, uma recordação de outras épocas.
Tudo isto, num país e numa cidade normais, poderia garantir à estação uma dimensão histórica, o que recomendaria a sua conservação e, esgotada a sua utilidade prática, um futuro mais congregador do que segregador.
Não o entendeu a Câmara Municipal de Caldas da Rainha e, aparentemente, mesmo os mais acérrimos defensores da Linha do Oeste terão achado que, como moda, a ligação ferroviária local também seria para esquecer.
E hoje o que temos é isto:
 



E "isto", esta espécie de tina enfeitada com azulejos de casa de banho que ainda nem parece estar terminada, menoriza e degrada a estação.
Sobrepõe-se ao largo fronteiro, que desapareceu, e, como rotunda, serve apenas para pôr o trânsito a andar mais depressa. Quem é que repara no vetusto edifício? Ninguém. Ninguém quer saber dele.
Segundo se sabe, a coisa destina-se à colocação de um chafariz.
Não sei qual será a altura, não sei se a água irá espirrar alto ou preencher todo o espaço da tina mas é possível fazer uma simulação.
E, em jeito de monólito negro (inspirado por Arthur C. Clarke e Stanley Kubrick), ei-la:




Um chafariz, por modesto que seja (mas a perdulária mania das grandezas da "nova dinâmica" sugere precisamente o oposto), nunca será mais pequeno que o monólito negro que serve para este exercício. E depois haverá que acrescentar a água.
E o resultado?...
O resultado será, simplesmente, a sobreposição de um mamarracho ao simpático edifício da estação, ocultando-o da vista de todos, relegando-o para uma memória que os presidentes das câmaras gostam de ver arrasada para só eles ficarem para a História, perante o silêncio de apoiantes (sempre à procura de uma migalha) e de opositores de duvidosa genuinidade.
As elites da cidade de Caldas da Rainha detestam tanto o passado como têm medo do futuro.
 

4 comentários:

José Rafael Nascimento disse...

Julgo que se trata de azulejaria e peças cerâmicas de Bordalo Pinheiro. Aguardemos.

Pedro Garcia Rosado disse...

A marca não torna a coisa justificável, nem os azulejos mais aceitáveis...

SusiP disse...

Hoje tambem vi isso. E agora em frente do estaçao ha 3 (!) parques de estaçionamento. 3, que brincadeira é isso?

Pedro Garcia Rosado disse...

São brincadeiras de adultos irresponsáveis que têm poder e dinheiro mais nas mãos....