Recupero a metáfora que utilizei aqui, no "Tomate": estas eleições europeias, as deste domingo, são como um cartaz a anunciar a venda de peixe fresco na montra de um talho. A carne que lá se vende pode ser de confiança mas... peixe, também? Alguém arrisca?
O cabeça de lista do PS, Francisco de Assis, resumiu tudo ontem, ou anteontem: apelou ao voto para que os resultados eleitorais sejam uma "moção de censura ao Governo". Ao governo português, não ao governo da União Europeia.
Que o PCP ou o BE o façam é tão natural como ter um gato a fazer xixi numa caixinha na casa de banho e um cão a fazer o seu xixi fora de casa. Mas o PS já foi um partido de governo e vai ser governo outra vez, e apenas por demérito dos seus adversários PSD e CDS.
O que nestas eleições devia estar em causa seriam os mecanismos de governação da União Europeia e, no mínimo, a definição de como é que um país-membro pode utilizar a sua qualidade de país-membro no âmbito das relações políticas internacionais e para benefício dos seus nacionais.
Não é isso que tem estado a acontecer. Os que mais o tentaram fazer foram os candidatos do PSD e do CDS, suponho que genuinamente, mas foram submersos pelas muitas arremetidas das oposições. Arremetidas todas elas voltadas para a política interna.
Nada nestas eleições convida ao voto e o "dever cívico" de votar não soa a mais do que as tentativas dos partidos e das personalidades do "status quo" de alcançarem objectivos que não são os do acto eleitoral.
Nem as iniciativas marginais unipessoais como o Livre ou Marinho e Pinto são convincentes e só por desespero é que pessoas de raciocínio livre neles votarão.
A democracia tem de ser suficiente maleável para, defendendo-se da autodestruição, aceitar os direitos que não a ponham em causa. E o direito a não votar não a põe em causa.
Pode ser chocante, por exemplo, que um governo ou um presidente da República sejam eleitos por 10 por cento do eleitorado. Mas os que não votar porque não se reconhecem em nenhuma candidatura não têm de pagar os erros dos protagonistas da vida política, que desprezam o sentido dos próprios actos eleitorais e que os transformam em manifestações clubísticas.
Eu não vou procurar peixe fresco num talho nem carne de qualidade não congelada numa peixaria.
Passo à frente, altero a refeição que tenho em mente, espero que ao lado do talho abra uma peixaria, ou vice-versa, ou vou ao supermercado. O talho que anuncia peixe fresco não vai à falência por causa disso. Com sorte, o seu proprietário perceberá, mais cedo ou mais tarde, que é preferível esmerar-se na venda da carne do que tentar vender peixe.
A democracia não sofrerá com a abstenção de domingo.
Até pode ser que ela sirva de aviso aos dirigentes e animadores das várias candidaturas.
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