Um ditador precisa, entre outras coisas, de um povo submisso. Pode acontecer que o mesmo povo se farte e que, como aconteceu com o ditador Mussolini, nem se manifeste depois contra o tratamento que o mesmo ditador acaba, às vezes, por sofrer. E o que aconteceu a Mussolini devia servir de lição a muita gente.
Este primeiro-ministro (que, não o esqueçamos, chegou ao poder ao colo do PCP e do BE) demonstra todos os dias a sua faceta de ditador, impõe um regime autoritário que já esteve mais longe de resvalar para uma ditadura, e conta com um povo inacreditavelmente submisso. Programada, ou não, essa submissão nasceu do medo, sobrevive no medo e renova-se no medo. No medo da epidemia de SARS-Cov2 que, cumprindo o ciclo da natureza, evoluiu para pandemia e passou a endemia.
O medo começou a ser instigado e aproveitado em Março de 2020. Hoje, em Agosto de 2021, o que se vê no Estado, do chefe do Governo aos talibãs sortidos da DGS, passando por uma imprensa repelentemente sabuja, é a utilização desse medo para a perpetuação do poder. E do domínio político.
Há duas semanas, a criatura impôs um regime de apartheid que, tempos antes, só seria visto como "teoria da conspiração": a obrigatoriedade, em todo o País, do "certificado" de vacinação (e o resto, que depende dos testes pouco rigorosos, é anedótico) para certas actividades: alojamento, restauração (aos fins-de-semana) e aulas de grupo em ginásios.
A vacina, note-se, não é obrigatória. Mas a sua imposição, pelo "certificado", torna-se obrigatória na prática. Quem não a tem (ou ainda não a tem) fica excluído. Uns têm tudo, os outros nada.
As situações, por outro lado, são distintas, absurdamente distintas. Quem viajar de transportes públicos não precisa de "certificado". Mas se quiser alojar-se num alojamento turístico, precisa. Mas o pessoal que presta esse serviço não precisa.
No caso do alojamento, em estadias mais prolongadas, quem não tem o "certificado" pode fazer um dos testes salvíficos e, tendo a sorte de o ter "negativo", pode alojar-se. Mas se se "infectar" depois de alojado... que interessa?
Na restauração poderá argumentar-se que há opções: os de "1.ª classe" podem ir todos os dias com o seu "certificado"; os de "2.ª classe", sem "certificado", só podem ir entre segunda-feira e sexta-feira à hora do almoço. É como a treta do recolher obrigatório: nuns dias da semana (e horas), o vírus não ataca, noutros ataca. E também aqui o pessoal que presta esse serviço não precisa de ter o "certificado".
A situação mais grave é a dos ginásios (e sobre ela já escrevi aqui): quer se trate da actividade de grupo mais recreativa, de actividades que são mesmo benéficas para a saúde ou de actividades que são indispensáveis para muitas pessoas com dificuldades de mobilidade em situações clinicamente bem identificadas (como é o caso da hidroginástica), ninguém entra sem o "certificado". É absurdo que o Estado glorifique os atletas olímpicos e bloqueie as actividades desportivas que, em certos casos, são essenciais à saúde dos seus cidadãos.
Esta situação é dramaticamente injusta e geradora de imensa desigualdade. E não tem qualquer fundamento, aliás. Num país de pessoas livres (como tem acontecido em França, por exemplo), haveria revolta e protestos. Mas aqui não.
E é isso que dá ao pequeno ditador a tranquilidade para, com toda a sobranceria, dizer enormidades deste cariz ("Expresso", 13.08.21):
Ele é que manda. Dúvidas? Não se podem ter. Nada se pode discutir. "Qual é a necessidade? Qual é a vantagem?" Ele, que tudo sabe e em tudo e em todos manda, tem a certeza de que o povo está submisso e faz o que ele quer. E sabe que este povo manso até gosta deste novo apartheid.
Nada de novo, também. Os submissos, para fazerem de conta que não o são, gostam de saber que o seu estatuto de "1.ª classe" (os "certificados", os brancos na América e na África do Sul do apartheid, as castas das elites indianas) os põe acima dos que ficam na "2.ª classe" (os não-"certificados", os "colored" na América, os negros na África do Sul do apartheid, os párias da Índia). Sentem-se melhor do que eles, beneficiados pelos chefes políticos que seguem de olhos no chão.
E a criatura sabe disto.
Mas eu acredito que ela cairá, um dia, do poder. Ou, antecipando-se à queda, fugirá.
E espero que a queda, ou a fuga, lhe seja dolorosa. Em tudo.
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