Foi no Natal de 2014 que a Rua de Camões, em Caldas da Rainha, começou a morrer. Com o fecho da emblemática pastelaria Machado, há poucas semanas, a rua morreu de vez.
A Rua de Camões podia ter tido outro destino, e continuar a ser o que já foi: uma rua de comércio e de restaurantes e cafés, que tem a particularidade de unir o centro "histórico" da cidade ao que também deviam ser outros elementos emblemáticos da sua vida urbana, como o parque da cidade com a sua entrada para as ruínas fantasmagóricas que o assombram, e o hospital termal.
Numa cidade onde há transportes públicos urbanos, mas onde uma parte significativa da população que a frequenta mora fora, não podendo passar sem meios próprios de transporte, a Rua de Camões tinha, ainda, um problema adicional: pouco estacionamento e acesso difícil. Este factor, que depois ainda se agravou, foi decisivo para a morte do comércio.
Mas a condenação à morte, evitável, foram as obras de há oito anos.
Aconteceu tudo no âmbito de umas desastradas obras de "regeneração urbana", mal planeadas, pior concretizadas e desenvolvidas de forma suspeita, a que presidiu o anterior presidente da Câmara Municipal, Tinta Ferreira, e cujo feito maior é... um parque de estacionamento subterrâneo que mete água.
Com Caldas da Rainha totalmente virada do avesso, a Rua de Camões oferecia este triste aspecto em Novembro de 2014: máquinas paradas, poucos homens no local e não a trabalharem e o trânsito interrompido.
Rua de Camões, em Novembro de 2014: nada resiste a obras deste tipo |
Nessa época, recorde-se, viviam-se os anos da austeridade que se seguiu ao pedido de empréstimo a entidades estrangeiras para ultrapassar a situação de bancarrota deixada, em 2011, pelo governo do PS (chefiado por José Sócrates e onde já pontificava o actual primeiro-ministro, António Costa). Havia menos dinheiro para compras e as pequenas lojas, a que se chama "comércio tradicional", perderam clientes.
Como habitualmente, e se verificou também nos períodos dos confinamentos imbecis de 2020 e de 2021, essas lojas não têm capacidade de sobreviverem sem clientes. Vivem do que têm para vender. Se não vendem, não têm receitas. Não têm receitas, fecham.
À crise económica juntaram-se as obras. A rua ficou, durante meses, esventrada e intransitável.
A "regeneração urbana" do anterior presidente da Câmara Municipal esteve na origem do desastre |
A situação até acabou por levar a que o presidente da Câmara Municipal reconhecesse, com alguma hipocrisia, que existia um atraso nas obras da Rua de Camões.
O que, como sempre aconteceu, não fez com que o problema se resolvesse. Nem foi sequer uma excepção, porque as obras de "regeneração urbana" sofreram atrasos inexplicáveis sem que as empresas culpadas fossem responsabilizadas.
"Gazeta das Caldas", 21.01.2015: Tinta Ferreira até foi lá... |
A Rua de Camões reabriu na Primavera de 2015. Com o mesmo erro de sempre saído das cabeças pouco inteligentes dos vereadores e presidentes camarários que se acham transformados em especialistas de trânsito urbano só por sentarem os traseiros nas cadeiras do poder: menos estacionamento e passeios demasiado largos,
Em termos práticos, o trânsito tornou-se mais difícil. Ou seja, o acesso aos estabelecimentos ainda existentes tornou-se quase impossível.
A pastelaria Machado foi, obviamente, afectada e eu, sendo seu cliente na época do Natal, percebi como a afluência de pessoas ia diminuindo. Para a frequentar, como café, era necessário ir a pé ou ter a sorte de encontrar um lugar vago para o carro. Podia ter tentado diversificar-se, com serviço de refeições, mas isso teria sido suficiente para garantir público. Isolada numa rua sem comércio, esta grande casa acabou, inevitavelmente, por sucumbir.
Haveria alguma coisa capaz de a salvar? Penso que sim. E passaria pela compreensão (não é difícil...) de que o centro da cidade não pode ficar reservado a consumidores que só andem a pé. Os discursos sobre o pequeno comércio são muito lindos, mas falta o resto: perceber que as pessoas frequentam os supermercados porque aí têm quase tudo... e estacionamento.
(O caso da Praça da Fruta é exemplar: pode servir para os residentes no local, para os ociosos e para os que não se importam de perder tempo à procura de lugar para estacionar, mas não para todos os outros. E eu, por exemplo, que até poderia ser cliente regular do comércio da Praça da Fruta, não vou lá porque não estou disposto a perder tempo a tentar estacionar.)
Depois de uma justificadíssima glória, com tradição, um fim desgraçado |
Lamento o fecho da pastelaria Machado. Não sendo consumidor habitual de bolos e de outras gulodices, posso dizer que a pastelaria Machado me fez gostar de bolo-rei. Os seus requintados bolos-rei e a simpatia com que sempre fui atendido, como toda a gente, deixam saudades. Não sei se encontrarei igual.
A estupidez, a incúria e a incompetência camarárias (das anteriores vereações e desta que prometia que íamos "mudar"...) estão na origem deste lamentável acontecimento. E não vejo nada que previna ou evite outros encerramentos.
[Podem ler aqui o que escrevi neste blogue sobre as desastradas obras da Rua de Camões: https://pedrogarciarosado.blogspot.com/search?q=Rua+de+Cam%C3%B5es]
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