sábado, 21 de março de 2020

A falácia do estado de emergência ou como Costa entalou Marcelo



Marcelo Rebelo de Sousa escondeu-se em casa, perdeu protagonismo, percebeu que estava a ficar para trás e quis fazer figura de "duro" com o estado de emergência. 
António Costa deu-lhe o estado de emergência uma semana depois e recuperou o protagonismo, arrumando o Presidente da República num canto do salão. 
Como é que isto se vai repercutir nas eleições presidenciais?


3 de Março - Uma turma de uma escola de Felgueiras onde foi detectado um aluno doente com o coronavírus esteve no Palácio de Belém e foi recebida pelo Presidente da República (PR).
6 de Março - O PR e o primeiro-ministro (PM) estão numa cerimónia no Teatro de São João, no Porto, no meio de uma multidão.
8 de Março - O PR, assustado com uma hipotética exposição à doença, isola-se na sua casa de Cascais. Faz um teste e, uma semana depois, um segundo teste. Ambos são negativos: o PR, e comandante supremo das Forças Armadas, primeira figura do Estado, não tem o coronavírus. Mas durante uma semana, fica metido em casa, de cuja varanda assoma. A dedicar-se às coisas domésticas, em especial. É uma semana em que só o Governo ocupa o espaço mediático. O "dos afectos" está escondido.
15 de Março - Depois de tentar convencer o PM a decretar o estado de emergência, o PR faz uma comunicação artesanal e atabalhoada "ao País" pelo Skype. Quer regressar ao palco mediático. Faz saber que vai convocar o Conselho de Estado. Pode ser que sejam mais fáceis de convencer do que o PM. O PM diz que "não se oporá". O tema vai sendo debatido em público durante três dias. Entretanto, "o País" já anda resguardado e metido em casa.
18 de Março - O Conselho de Estado dá ao PR o que ele quer. O PR anuncia "ao País" que o estado de emergência começa nesse dia à meia-noite. Recuperou o protagonismo!
19 de Março - A Assembleia da República, pouco entusiasmada, dá ao PR o que ele lhe pediu: o estado de emergência. O Governo começa a debater a coisa. O PM regressa às televisões com o Governo. Mas agora o protagonismo é do PM.
20 de Março - O Governo produz um decreto-lei de 28 páginas. O protagonismo continua a ser do PM e do Governo.
21 de Março - O estado de emergência, regulamentado em 28 páginas, entra em vigor à meia-noite, já no dia 22 de Março. Ou seja: o PM deu ao PR o que ele queria, com uma semana de atraso. E não como ele queria: o que lhe deu foi um estado de emergência mitigado, que enquadra legalmente, regulamentando, o que toda a gente já começara a fazer. 


Esperamos que seja o princípio do fim.

Sem palco mediático, sem multidões, sem afectos e "selfies", o PR regressa às sombras do Palácio de Belém. O PM fez o que não queria fazer, da maneira que quis e não como o assustadiço PR o quis.
O PR foi duro com o Governo por ocasião dos piores incêndios de que há memória. Agora, a menos de um ano das eleições presidenciais, tentou fazer igual e não conseguiu. Ainda por cima, nem pôde aproveitar as vítimas.
Pode ser um dilema político, apenas político, mas Costa fica agora à vontade para promover, apoiar, não rejeitar ou aceitar uma candidatura do PS, oficial ou oficiosa, contra este PR. Não impedirá a reeleição (ele até lhe dá jeito, apesar de tudo, mais do que outros) mas vai tornar a vida mais difícil a Marcelo. É suficientemente vingativo para isso. E, neste caso, até se justifica.
A política, às vezes, é mesmo assim: mais animada, mais clara e mais estimulante do que parece.

*

Justifica-se, a propósito, uma recomendação de leitura: de um post publicado no Facebook por Alfredo Barroso, ex-PS, familiar de Mário Soares, conhecedor há muitos anos dos meandros da política e do jornalismo. (Quem estiver no Facebook pode ler, no original, aqui.)


Chega a ser patético, direi mesmo lamentável, o esforço que o semanário Expresso continua a fazer - em conjugação com uma misteriosa «fonte de Belém» (risos) - para apagar da história (ou recuperar para ela?) os 14 dias de 'quarentena auto-imposta' em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve pura e simplesmente 'desaparecido em combate'. E desta vez, na edição do Expresso de 21 de Março, é o próprio director do semanário, João Vieira Pereira, que vem reforçar mais uma 'historieta da Carochinha' que todas as semanas nos quer impingir a 'porta-voz' de Marcelo PR na Redacção do jornal, Ângela Silva, recém-promovida a essa 'célineana' «voyage au bout de la nuit» que é o programa da SIC Notícias 'Expresso da Meia-Noite'...
O texto intitulado «Marcelo chama Centeno a Belém para o convencer a ficar» (na página 8), mistura o delirante, patético e risível com a contradição e a leviandade. Por exemplo, afirma que, «no recato da quarentena, Marcelo começou a preparar o contra-ataque». Mas contra-ataque em relação a quem? A todos os que lhe dirigiram «uma chuva de críticas por ter saído de cena apesar de assintomático» (e eu fui um deles)? Contra o cartaz do Chega, de André Ventura, a dizer que «Um Presidente não foge»? Contra o 'protagonismo' do primeiro-ministro, que não impôs a si próprio nenhuma quarentena - apesar de ter estado em contacto pessoal com um Marcelo PR cheio de 'cagufa' - e que se limitou a cumprir o seu dever de chefe do Governo, assumindo, com firmeza e serenidade, a coordenação da luta contra a pandemia do Covid-19?
Depois, mais adiante, no texto assinado pelo director do semanário e pela sua subordinada, afirma-se que «o clima de ansiedade e medo não é compatível com jogos políticos». Mas sempre se vai salientando que, «no essencial, o PR já tinha, no entanto, começado a ganhar a guerra» (sic), dado que «o PR admitia vir ele próprio a 'tomar a iniciativa'» (sic). E a «iniciativa» de quê?!
Ora, chegados a este ponto de tão mau jornalismo, é legítimo perguntar: de que «jogos políticos» e de que «guerra» é que estão a falar? Afinal, Marcelo PR está envolvido em «jogos políticos» e apostado em promover uma «guerra» contra o «protagonismo» do primeiro-ministro António Costa e do seu Governo, com o servil contributo do semanário Expresso (de cujo 'proprietário', Francisco Pinto Balsemão, o Marcelo comentador chegou outrora a dizer que estava «lé lé da cuca», entre muitas outras 'patifarias')?!
A falta de vergonha - do semanário Expresso e da misteriosa «fonte de Belém» (risos) - vai ao ponto de afirmar que o «PR impôs o fecho das escolas», foi ele que «forçou a decisão». E logo ele, que só ao cabo de 14 dias 'desaparecido em combate' considerou que era urgente «decretar o estado de emergência». Então e durante a quarentena que Marcelo PR, cheio de 'cagufa', impôs à sua excelsa pessoa, não havia urgência nenhuma? Ou terá sido, antes, a necessidade urgente de 'ressuscitar' politicamente dos 14 dias em que esteve 'desaparecido em combate', que motivou Marcelo PR - com a solícitude colaborante do semanário Expresso, lamentavelmente transformado em órgão oficioso do Palácio de Belém?!
E tudo se percebe ainda melhor quando, às tantas, o director e a porta-voz do PR lembram «o ano de presidenciais que aí vem», salientam que «o Presidente puxa pela sua autoridade na gestão da crise» (topam?) e estão em crer que «o PR quer federar para a reeleição»... Sem esquecer que, noutra página, Paula Santos coloca Marcelo PR nos «Altos» - dir-se-ia até: nos píncaros - por ele ter dado «um sinal de determinação a merecer nota positiva». E ainda que o ex-director do Expresso Henrique Monteiro, na página com o seu nome, descreve - nada tartamudo mas algo tartufo - «o dia em que Marcelo se lembrou de como se joga xadrez, e ganhou», pois claro! Que pândegos me saíram estes jornalistas...
É triste ver o estado a que chegou, em Portugal, certo tipo de jornalismo que pende para hagiografia, sem o distanciamento e o sentido crítico que seriam desejáveis e recomendáveis. É um jornalismo feito por gente que odeia a esquerda - ou que já a ela pertenceu e agora a repudia - e que acha que a melhor arma para a combater, e para a derrubar, é a 'lata' e o desplante de Marcelo PR...

Campo d'Ourique, 22 de Março de 2020



Sem comentários: