Caríssimo Pedro Garcia Rosado,
Pedi-te amizade no Facebook e tu aceitaste. Pedi-ta porque li o teu livro “A Guerra de Gil”. O meu nome é Carlos Jorge Barata Gonçalves e sou advogado no IEFP. Quero agradecer, desde já, o facto de teres aceitado o meu pedido de amizade no Facebook. Não tenho a honra de te conhecer. Ouvi falar em ti apenas quando, há poucos dias, comecei e terminei a leitura do teu excelente livro “A Guerra de Gil”. Tive acesso a esta obra em audiolivro, produzido pela Biblioteca Sonora da Biblioteca Pública Municipal do Porto. Como sou cego de nascença, aproveito os livros no suporte que me chegam: audiolivro, livro em braille ou livro em suporte digital e formato word, rtf, epub, html, pdf (modo texto) ou txt.
Gostei particularmente deste teu livro. Seja-me permitido destacar, em primeiro lugar, o narrador, omnisciente, vocacionado para uma grande e profunda focalização interna, principalmente na personagem principal: Vítor Gil. A propósito: não é que eu conheço um indivíduo chamado Vítor Gil!?... Este narrador, para além da sua omnisciência, é omnipresente, pois que não conta as ações tal como elas transcorreram, mas apresenta-no-las exatamente quando se estão a desenrolar: faz-me lembrar Graham Greene, designadamente o narrador de “O Outro Homem”. O narrador, na sua observação participante, transmite-nos de uma forma assombrosamente pormenorizada, os debates interiores das personagens, sobretudo os dilemas de Gil: na satisfação do pedido de Alda, no auxílio ou abandono da cunhada…
Em segundo lugar, Gil é uma personagem fascinante. Naqueles alucinantes dias, compreendidos entre o rapto e sequestro de Vanessa e a “batalha final” na Serra do Cabeço, face à sua enorme capacidade de observação, associação e relacionação, Gil descobriu o “trilho da droga”, o caminho que os da Funerária do Imaginário percorriam nas arribas, do mar até à estrada; o que eles denominavam de “o nosso sítio”. Gil descobriu que comera carne da sobrinha, considerando o seu travo adocicado, no restaurante Quatro Estações, por vitela branca. Gil identificou o negro que matara Bruno, por entre os cortinados do primeiro andar na Funerária do Imaginário, quando lá fora esboçar tratar da trasladação dos restos mortais de Alda.
Sozinho, quando soube do achamento de membros de corpos humanos nas arribas, descobriu mais factos que os elementos da PSP e da Judiciária juntos. Note-se que estes nem sequer deram credibilidade ao seu depoimento.
A única coisa que Gil não descobriu foi a grande corrupção, compadrio e conivência que havia entre as forças vivas da região. De facto, não persentiu as relações entre o General Martins e Armando Guilherme.
Armando Guilherme intuiu que a sua sobrinha queria utilizar o negro para se vingar do tio. Ela entregava-se ao negro alegadamente como prémio do assassinato de Bruno, mas, na verdade, como fora obrigada a dar-se ao tio, durante anos. Armando acautelou-se naquele jantar algo diferente dos outros, pressentindo que seria também assassinado pelo negro, a mando de Luísa.
Gostei do negro e da metáfora que representou. Este, depois de ter fugido à polícia no Bairro da Mariana, depois de cometer vários homicídios, mediante a utilização da sua navalha, depois de ter sido transportado para o Imaginário num caixão, depois de estar sequestrado, depois de ter sobrevivido à tentativa de assassinato de Armando Guilherme, depois de ter matado a cadela, acabou por se vingar de Luísa com a arma de fogo do tio desta.
No epílogo da obra, os verdadeiros vencedores foram o negro que, dispondo apenas de uma arma branca, derrotou os possuidores de armas de fogo: metralhadoras e pistolas, e o porco de grande porte que ainda se alimentou de “vitela branca” (risos) de Elmano.
A descrição e a narração das cenas mais violentas atinge um impressionante detalhe e revela um importante repertório de conhecimentos da matéria: é como se estivéssemos presentes. Faz lembrar um relato de futebol, em que tudo é descrito instantaneamente. Este livro é um verdadeiro filme descrito e narrado apenas por palavras. Aqui, não se aplica aquele provérbio chinês, segundo o qual uma imagem vale mais que cem mil palavras.
Na leitura deste romance nem eu me lembrei que não vejo. É caso para dizer: neste livro, até um cego vê…
Gostei, pois, de ter lido este romance. Gostarei, com toda a certeza, de ler outros romances teus.
"A Guerra de Gil" foi publicado em 2008 pela editora Temas e Debates e é passado no concelho de Caldas da Rainha, onde me fixei nessa altura.
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