segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A criatividade ausente em parte incerta: a propósito de "Em Parte Incerta/Gone Girl"

 
"Em Parte Incerta" ("Gone Girl", realização de David Fincher, romance e argumento de Gillian Flynn, visto ontem à noite): durante uma hora temos Nick (Ben Affleck ) às voltas com o desaparecimento da sua mulher, Amy (Rosamund Pike); de repente passamos a ter Amy, que nos diz logo estar viva; nos 83 minutos (quase hora e meia) de filme que se seguem temos a explicação do que aconteceu e, de certa forma, uma recriação de "Atracção Fatal". Sem o coelho.
Foi nessa transição de 60 minutos de filme para os restantes 83 minutos (como se fossem dois filmes diferentes) que deixei de gostar de "Em Parte Incerta".
Foi esse o momento em que um "thriller" aceitável (Amy desapareceu, Nick é o inevitável suspeito) se transformou num "thriller" à procura da respeitabilidade "normal": Amy está viva e bem viva, maquinou tudo para se vingar de Nick, mata um antigo pretendente sem sombra de hesitação (Desi Collings é o coelho, de certa maneira, regressa para junto de Nick, os dois vão fazer-se mutuamente a vida negra e... às 2 horas e 23 minutos de filme, cai o pano.
O "thriller", estilo que na literatura e no audiovisual só permite a isenção em caso de obras-primas inquestionáveis, tem regras.
E essas regras, por conservadoras que pareçam, destinam-se a dar ao leitor e/ao espectador quase todas as armas para poder entrar no jogo. A criatividade não está na destruição das regras (o que, em geral, permite fins frouxos e indecisos como acontece em "Gone Girl") mas na invenção de novas histórias que, respeitando as regras, consigam sempre suscitar o interesse renovado do leitor/espectador.
Não é o que acontece com "Em Parte Incerta". E David Fincher, o David Fincher de "Seven" e de "House of Carda" até sabe fazer melhor.



A versão francesa do cartaz de "Gone Girl": Amy e Nick tinham ouvido falar
 em "Atracção Fatal 2" e foram ao engano

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