O Holocausto, a hedionda tentativa nazi de exterminar um povo inteiro, não foi apenas feito de campos de concentração, de câmaras de gás, de acções deliberadas de brigadas de assassinos uniformizados e de guetos que não passavam de estações intermédias entre a vida e a morte certa.
Houve uma outra faceta desses tempos que se traduziu numa perda de vidas igualmente grave e também de perda de identidades.
Foram as crianças esquecidas, as crianças judaicas que sobreviveram à ocupação nazi na Europa por passarem por crianças cristãs, acolhidas por famílias cristãs ou apenas escondidas do mundo.
Esta é a realidade retratada pela obra "Memórias do Silêncio" (ed. Vogais, tradução minha), do americano Robert D. Rosen, que a descobriu quase por acaso à mesa de um jantar da Páscoa judaica. Tomando como ponto de partida os relatos autobiográficos de três mulheres que, em crianças, mudaram, de certa forma, de identidade (pessoal e religiosa), o autor abre a porta à revelação de um mundo pouco conhecido mas trágico: estas pessoas não sobreviveram apenas à guerra e ao extermínio (e muitas outras não sobreviveram) como carregam consigo a cruz de, sem terem sofrido os horrores dos campos de concentração, serem tão vítimas do Holocausto como todos os outros sobreviventes. São duas vezes vítimas.
"Memórias do Silêncio" expõe um aspecto menos conhecido da Segunda Guerra Mundial e fá-lo de uma forma hábil: o efeito do mal enraíza-se duranta a leitura e só depois é que se faz sentir com mais força, deixando as recordações bem vivas.
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