sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Obrar com o dinheiro dos outros

A minha tia costumava, periodicamente, mudar a disposição dos móveis. Por vezes desfazia-se de um móvel e comprava outro. Nunca lhe perguntei porque é que o fazia mas suponho que, de algum modo, se satisfazia com as mudanças que via nas divisões-alvo. Ninguém se queixava, acho eu. E o dinheiro que gastava era o dela. 
O pai de um amigo meu dedica-se a obras na sua propriedade no campo. As suas peripécias arquitectónicas suscitam interrogações entre alguns dos seus familiares mas há alguma lógica funcional no que vai fazendo, mesmo que depois haja algumas soluções inúteis. De qualquer modo, o dinheiro que gasta é o dele.
Um meu vizinho, também na sua propriedade, dedica-se quase todos os verões a construir, ou a refazer qualquer coisa. Uma espécie de anexo, um telheiro, o piso exterior (em calçada portuguesa), a remodelação interior de um dos seus vários anexos... Não vejo que algumas das suas obras tenham utilidade (embora tenham impacto na via pública, ocupada com materiais e lixo) mas suponho que, também, o dinheiro que gasta é o dele.
Olhando para as obras inúteis (o alargamento de passeios, uma praça onde tudo acabou por ficar na mesma, um parque de estacionamento subterrâneo numa vasta área urbana onde não há dificuldades de estacionamento, uma rotunda inútil) que se vão fazendo há ano e meio na cidade de Caldas da Rainha, fico com a mesma sensação: quem detém o poder (e as chaves do cofre) lança-se às obras. Para quê? Por uma questão de ego, provavelmente.
No fundo, é também o que motiva muitos ministros a lançar leis novas. Num país que, como Portugal, tem o aflitivo culto da legislação (que, em excesso, é a mãe de todas burocracias), são poucos os que resistem a deixar o nome associado a uma lei parlamentar, a um decreto-lei ou, se mais longe não conseguirem ir, a um despacho ou a uma portaria.
 



Os presidentes das câmaras municipais têm maiores restrições em matéria de legislação. Porque há sempre leis nacionais mais importantes que os travam, porque as assembleias municipais podem ser um problema, porque há os "lobbies" locais, porque... talvez lhes falte a imaginação.
Por isso, obram. Com a vantagem de o dinheiro não ser deles.
Nas obras (que eu suspeito que vamos ter de pagar mais tarde ou mais cedo) que decorrem na capital do concelho há ano e meio não se vê o que de positivo foi alterado relativamente à situação anterior.
E não só não se vê como a Câmara Municipal também não o mostra, não o diz, não o explica. É certo que isso pode ser atribuído ao desprezo que vota à população, a quem espreme os votos de quatro em quatro anos. 
Mas quando nestas coisas está investida uma tão grande massagem ao ego, inevitável a suspeita de que nem tudo foi claro, de que os atrasos são demasiado estranhos e de que os contratos e as opções deixam muito por explicar.
Obrar com o dinheiro dos outros é o que dá.  

Sem comentários: