Stephen King escreveu, uma vez, que o fantástico é, por excelência, conservador porque as manifestações que integram uma história deste género literário provocam uma alteração violenta na ordem das coisas e terminam, em geral, com uma reposição do "status quo".
Tenho dito quase o mesmo do "policial", mas numa perspectiva ligeiramente diferente: o leitor esperará que à alteração violenta na ordem das coisas se siga uma normalização. As coisas têm de voltar a ser o que eram e de uma maneira que, na melhor das hipóteses e dependendo do grau de habilidade e de inteligência do autor, permita uma espécie de diálogo do autor com o leitor. Com algumas surpresas pelo meio e sem banalidades.
E uma das piores banalidades, e a mais grosseira, é dos "serial killers", dos psicopatas que matam várias pessoas e que só um investigador mais ou menos perturbado pode apanhar. Não sei dizer com precisão estatística, mas suponho que o "policial" se deixou contaminar, em grande medida, pela mania dos assassinos psicopatas. Haverá, decerto, histórias originalíssimas e soberbamente bem escritas, mas parecem abundar as que seguem a receita de sempre neste género e sem rasgos de maior valor. (Correndo o risco de estar enganado, julgo que, nos últimos dois ou três meses, de entre quatro ou cinco romances em português que se situam no domínio do "thriller", quase todos têm um psicopata assassino.)
Esta minha reserva, dirão os meus leitores mais atentos, não me impediu de recorrer a esse lugar-comum. Em parte, é verdade. Em "A Cidade do Medo" há um "serial killer", mas com uma diferença: o autor dos homicídios usa-os apenas para cumprir a sua agenda e porque lhe dá jeito fazer de conta que há um psicopata assassino à solta em Lisboa. A explicação está, naturalmente, na história.
"O Último Refúgio" esteve à beira de ter esse lugar-comum e, com maior probabilidade, outro lugar-comum por enquanto um pouco menos frequente, que é o do assassino profissional. Mas o rumo foi corrigido. Nunca repisei temas, nem fui à procura de lugares-comuns. E afastei o meu protagonista (o "detective", em inglês, James Castello) desse caminho. Pela primeira vez (ou segunda, se considerarmos o "amor que não pode dizer o nome" de "Crimes Solitários"), pus uma das minhas personagens principais a agir por amor. E, coitado, a ser iludido... por amor.
Mesmo sendo uma obra de génese quase espontânea, que não obedeceu a grandes planos, "O Último Refúgio" nunca poderia repetir banalidades ou afundar-se em lugares-comuns ou ser mais do mesmo. E daí também a sua construção cronológica. Mas esse aspecto já ficará para outro apontamento.
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