Há qualquer coisa de estranho neste Presidente da República que fala sobre tudo e sobre nada, que parece ainda um candidato em campanha e que não perde uma oportunidade de amparar um governo de incertezas e de moralidade política controversa.
É certo que Marcelo Rebelo de Sousa goza de um alargado estado de graça, que tem a ver com a dinâmica da sua vitória presidencial e com o seu fascínio de décadas pelos microfones.
É certo, ainda, que tudo isto é o seu estilo pessoal e que contrasta muito com o anterior Presidente da República e também com praticamente todos os primeiros-ministros e ministros destes 42 anos de democracia (excepto, talvez, com Pinheiro de Azevedo).
Mas, por outro lado, esta estranheza também faz pensar.
Marcelo Rebelo de Sousa é um indivíduo extraordinariamente (e intuitivamente) inteligente. E já deve ter feito um balanço muito privado deste seu desempenho, sendo de acreditar que, se o mantém, é porque ele não lhe suscita muitas reservas. Ou, então, até o está a fazer conscientemente. Por achar bem, e proveitoso.
E por esse motivo deve perceber que o Presidente da República está a mostrar que faz duas coisas que vão além das aparências. Não é uma mensagem (ou duas). É uma meta-mensagem, que cavalga a mensagem mais aparente.
Uma delas é o reforço de uma base de apoio popular e unipessoal.
Na sequência da sua vitória isolada dos partidos e dos dirigentes partidários, Marcelo Rebelo de Sousa sabe que não contará com eles para o apoiarem numa situação em que precise de tomar decisões menos consensuais. A sua base de apoio popular dá-lhe algum conforto político, mesmo no caso limite de uma renúncia ou de um segundo mandato. Ou sabe-se lá se de mais algum factor inesperado.
A outra é a da sua colagem a um governo frágil que pode cair em qualquer altura (porque o chefe do Governo pode querer antecipar eleições para se legitimar, porque os seus parceiros da tríade o podem deixar cair, porque a situação económica pode entrar em colapso). Apoiando-o, substituindo mesmo o actual primeiro-ministro em opiniões mais próprias do combate político (como foi o caso das críticas ao Conselho das Finanças Públicas), Marcelo Rebelo de Sousa apoiá-lo-á até ao fim? Ou sentirá que, com a sua popularidade em alta, estará mais habilitado a deixá-lo cair, se for esse o caso?
E o que acontecerá, já agora, se uma crise mais complexa o obrigue a refugiar-se num silêncio institucional que o resguarde do assédio dos microfones e das câmaras de televisão? Dar-se mal da garganta e sem voz?
Marcelo Rebelo de Sousa sempre gostou da análise política e da especulação e teve os seus melhores momentos na TSF antes de evoluir para o modelo posterior da institucionalização televisiva.
O seu múnus presidencial está, como é evidente, sujeito a todas as análises e todas as especulações e terá, decerto, noção de que isso acontecerá, apesar do estreitamento do leque reflexivo na comunicação social.
O seu desempenho suscitará, por todos os motivos, toda as atenções e todas as especulações, mesmo as menos favoráveis.
Com isso, pelo menos, estará sempre melhor do que a escorregar para o terreno do provérbio segundo o qual “Quem muito fala pouco acerta”.
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