terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

"Morte com Vista para o Mar": os protagonistas




Um dos problemas centrais do "thriller" contemporâneo é a necessidade de equilibrar um quadro plausível e realista com a possibilidade de ter protagonistas em peripécias mais animadas do que as que serão vividas pela generalidade dos investigadores das autoridades policiais.
É aí que muitos autores, por mais bem intencionados que sejam, têm fracassado. E é aí também que é grande a tentação de importar modelos - um dos quais é o detective privado de alguns "clássicos" americanos, que pode fazer tudo. Cá, os detectives privados não podem.
Quando comecei a esboçar "Morte com Vista para o Mar" (depois da experiência de ter um protagonista, o inspector Joel Franco, em acção dentro do "sistema" - em "A Cidade do Medo", "Vermelho da Cor do Sangue" e "Triângulo"), tentei imaginar um protagonista capaz de agir nas fronteiras do "sistema", que fosse um inspector da Polícia Judiciária com a sua experiência de investigação mas que já não estivesse limitado pelas normas vigentes.
A personagem do ex-inspector Gabriel Ponte nasce dessa maneira.
Só que não me parecia muito plausível ter um protagonista destes a agir sozinho. No entanto, tendo sido da PJ, havia de ter tido outras pessoas com quem se dava e com quem poderia continuar a dar-se, num relacionamento que tivesse raízes externas. Imaginando-o reformado, "dei-lhe" uma filha, Patrícia Ponte, inspectora da PJ que lhe podia pedir ajuda de vez em quando.
Na primeira conversa que pude ter com a editora Ana Afonso, a minha interlocutora levantou o problema da idade. Gabriel Ponte teria, deste modo, mais idade do que a que poderia ser desejável para uma personagem desta natureza.
Uma hora depois dessa conversa, encontrava uma solução: Gabriel e Patrícia podiam ser marido e mulher. Ou ter sido. E se já não eram teria havido um problema no seu passado. Não sou partidário da transformação de jornalistas em heróis de histórias de aventuras - com excepção da saudosa série "Fantomas", talvez... - mas tinha sentido a necessidade de haver um(a) jornalista com mais protagonismo... sobretudo quando a comunicação social e o poder judicial acabam por ter certas cumplicidades. (No horizonte de Joel Franco chegou a estar um relacionamento futuro mais íntimo com a jornalista que aparece nas suas duas primeiras histórias.)
E, de um momento para o outro, esta hipótese permitia ampliar o quadro do relacionamento de Gabriel e Patrícia, criar um passado mais complexo e o episódio que levou à reforma de Gabriel Ponte e, inclusivamente, abrir caminho a um segredo que o ex-inspector mantém e que torna mais dramática a narrativa. É desse modo que surge a personagem Filomena Coutinho, que assume um papel relevante em "Morte com Vista para o Mar" e que terá presença nas histórias seguintes.
Por isso, gosto de falar das investigações de Gabriel Ponte, agora um "outsider", Patrícia Ponte, a inspectora, e Filomena Coutinho, a jornalista que pode ajudar (ou complicar) a descoberta da verdade...

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