domingo, 22 de setembro de 2024

O regresso do "pote" da Estrada Atlântica

 



A notícia da "Gazeta das Caldas" pode ser lida aqui na íntegra




Foi em Março de 2011, há mais de treze anos, que a Assembleia Municipal de Caldas da Rainha alterou o Plano Director Municipal, criando o Plano de Pormenor da Estrada Atlântica para permitir a construção de um empreendimento turístico gigantesco numa zona antes não urbanizável de paisagem protegida das freguesias da Serra do Bouro e da Foz do Arelho.

O empreendimento turístico, anunciado com grande espavento, foi promovido por duas empresas enigmáticas (a New World Investments e a Claremont Costa de Prata Developments Lda.), que nunca se apresentaram a público e que tinham como seu representante o advogado Álvaro Baltasar Jerónimo, então, e em acumulação, presidente da Junta de Freguesia da Serra do Bouro.




"Gazetas das Caldas", 11.03.2011: nada, na realidade





As obras iam começar em 2013 e prolongar-se-iam até 2041, ocupando 275 hectares de terreno numa zona privilegiada, com um investimento de 300 milhões de euros. Nunca as obras foram iniciadas.

Em Março de 2014, há mais de dez anos, a New World Investments reapareceu, a pedir ao presidente da Câmara Municipal de Caldas da Rainha, Tinta Ferreira, a aprovação de uma minuta de carta de conforto, "tendo em vista tornar mais célere junto da instituição bancária Investec Bank London, o desenvolvimento do processo denominado Golf & SPA a expandir na Foz do Arelho". A câmara, "atendendo a que se trata de um investimento de maior interesse para o concelho, deliberou aprovar os termos constantes na minuta de carta de conforto".

A New World Investments, nascida na África do Sul, tal como o banco Investec, era representada em Portugal pela New World Investments (Portugal) – Sociedade de Administração de Imóveis, sociedade anónima constituída em Caldas da Rainha com o capital social de 208 mil euros (98 por cento do capital da empresa era da New World Investments sul-africana) e sede no número 16, r/c esquerdo, da Rua Engenheiro Duarte Pacheco em Caldas da Rainha, endereço que é o do escritório do advogado Álvaro Baltazar Jerónimo.

O projecto da New World Investments e da Claremont Costa de Prata Developments Lda. esfumou-se. Os efeitos da carta de conforto nunca foram conhecidos. Tinta Ferreira desapareceu das lides municipais. Os membros da Assembleia Municipal que aprovaram o Plano de Pormenor ficaram calados. Os que discordaram também se remeteram ao silêncio. A imprensa do concelho fez-se esquecida. Os promotores e investidores nunca deram um ar da sua graça. Na zona de floresta do Plano de Pormenor parecem ter ficado algumas infraestruturas. Nenhuma empresa da região parece ter sido contactada para proceder a quaisquer obras. Foi como se nada, das intenções milionárias à decisão apressada dos membros da Assembleia Municipal, tivesse, alguma vez, acontecido.

Agora, treze anos depois do anúncio inicial, eis que regressa o projecto. 

Pela descrição feita na notícia, superficial, da "Gazeta das Caldas", o espaço a ocupar  será este, entre as ruínas da discoteca Green Hill (Foz do Arelho) e a pedreira (Serra do Bouro) que é explorada pela empresa Euroinertes:



Aqui estão, assinaladas a vermelho, à esquerda, as ruínas da discoteca Green Hill e, à direita, a zona da pedreira


Esta deverá ser, portanto, aproximadamente, a área abrangida


Só que, mais uma vez, é tudo muito nebuloso. 

A empresa que é tida como promotora do projecto é a empresa irlandesa Pinterpod Limited, que tem sede no número 110 da Amiens Street, de Dublin, num edifício de escritórios. Foi registada em 22 de Março de 2022 no Company Registration Office (o registo oficial de empresas) da Irlanda e é, simplesmente, uma "holding", uma empresa cuja actividade, e fonte de receitas, é a gestão de outras empresas, com três accionistas. Outros documentos indicam que os gestores da Pinterpod foram gestores de outras 75 empresas na Irlanda, sendo que 19 delas foram encerradas. 


É aqui, no número 110 da Amiens Street em Dublin, que ficam a sede da Pinterpod... e as sedes de várias dezenas de outras empresas




Na notícia da "Gazeta" é indicado que a Pinterpod já possui, e desde o ano de 2022, em que foi constituída, "239 prédios (terrenos) na Foz do Arelho que abrangem uma área muito significativa do Plano de Pormenor", que poderão ter feito parte do património da New World Investments e da Claremont Costa de Prata Developments Lda. 

Sendo a Pinterpod apenas uma "holding", é de duvidar que a gestão directa de projectos de investimento no sector turístico esteja nos seus propósitos, podendo depreender-se que há de ter representantes já no nosso país.  E quem serão eles? 

A "Gazeta" cita o vice-presidente da Câmara Municipal de Caldas da Rainha, Joaquim Beato, que até diz que a Pinterpod tem "uma perspetiva consciente”. E acrescenta: “Estamos a falar de muitos postos de trabalho e o empreendimento tem grandes exigências do ponto de vista do aproveitamento da água”, porque é um “caminho de grande respeito pelo ambiente, com reciclagem da água, criação de charcas naturais” que “vai fazer uma requalificação de uma área que está de alguma forma abandonada”. Não se percebe, por aqui, o que realmente quer a Pinterpod e que vai na cabeça do vice-presidente da Câmara, que se mostra tão entusiasmado.

E quanto ao presidente da Câmara, o empresário Vítor Marques? 

Tão interessado que se tem mostrado na criação de boas relações com empresas do concelho, o chefe do partido unipessoal Vamos Mudar parece alheado da coisa. O futuro dirá, se tudo for suficientemente transparente, qual é o significado deste aparente alheamento.

Como se tem visto, mesmo que só em intenções, a ideia de um empreendimento turístico na paisagem subvalorizada da Estrada Atlântica parece ser um verdadeiro pote cheio de ouro... mas não para o concelho, globalmente, embora seja de admitir que alguém tivesse ganho, discretamente, com a ideia. 

Mas quanto a receitas de impostos (IRC e IVA), de contratação de serviços, de aquisição de produtos e de criação de empregos... nada. Nada se viu desde esse longínquo ano de 2011.

A aprovação do Plano de Pormenor, o silêncio em torno do fracasso do projecto inicial, a insistência na carta de conforto, os contactos entre a Pinterpod, ou o(s) seu(s) representante(s), e a Câmara Municipal do Vamos Mudar... é tudo demasiado nebuloso num negócio, ou em vários, de muitos milhões de euros.

E é assim que vai continuar a ser?




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Tudo o que já escrevi sobre este tema pode ser encontrado nesta compilação.

O assunto foi o tema central de um dos meus romances: "Morte com Vista para o Mar" (TopSeller, 2013).



Texto completo aqui






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