segunda-feira, 6 de maio de 2024

Como o terrorismo meteorológico de uma empresa de geólogos espanhola faz lei em Portugal

 

Passa pouco das 18 horas de domingo quando escrevo este texto. Já choveu, esporadicamente, e neste momento há laivos de sol e nuvens dispersas. Nada que se pareça com este título do “Observador” de hoje:



Não é a primeira vez que o “Observador”, uma publicação on line que já assinei quando nela se notava existência de formas de vida inteligente, nos oferece títulos a anunciar mau tempo e, normalmente, em tom quase apocalíptico. Parece-me, aliás, que esta característica quase terrorista (só as más notícias é que são notícia e a imprensa não anuncia que o sol vai brilhar…) se acentuou nos anos de chumbo de 2020 e de 2021, quando a mais sobrevalorizada de todas as pandemias sofridas pela humanidade foi quase transformada no fim do mundo por uma imprensa ansiosa.

Esta notícia (tratada como “artigo”!) de “chuva para todo o país este fim de semana” apresenta a curiosidade de ser assinada por duas criaturas… e pela agência Lusa. Uma delas diz que “ingressou no jornalismo de saúde, de onde nunca mais saiu” e a outra não diz nada.

A assinatura de um texto jornalístico tem o significado de mostrar que esse texto é, de certa forma, original. Hoje, numa altura em que as reportagens e as investigações jornalísticas quase desapareceram e em que não há cão nem gato que não assine notícias, tudo é assinado. Ou seja, os funcionários, ou colaboradores apenas, dos meios de comunicação põem o nome naquilo que não é deles. No “Observador” parece que é regra quando, só para nos ficarmos por aqui, uma chefe assina também notícias de meteorologia da Lusa…

Neste caso, a origem que está identificada é a Lusa. Só que não é.

Vejamos um excerto da coisa:



A informação, portanto, nem vem da Lusa. Nem, já agora, do oficialíssimo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA, que até parece que não faz outra coisa se não acender e apagar os semáforos dos “avisos” e em cujo site não aparecem referências aos "rios atmosféricos"). Vem, sim, de uma empresa privada de Espanha, que se apresenta, no nosso país, como “tempo.pt”:




E é desta empresa que saem as expressões tão esfuziantemente coloridas como o “rio atmosférico” e outras. Por exemplo:














Os “especialistas” da Lusa e do “Observador” bebem essas expressões de forma completamente acrítica. Não as explicam, adoptam-nas. Elas não figuram no IPMA, mas que interessa? 

E, já agora, pagará a Lusa pela utilização tão acrítica das teorias da empresa do Meteored?

Há, nesta atitude, uma parolice muito típica: vão buscar as “palavras caras” e usam-nas, ganhando um estatuto que, de outra forma, não teriam.

O curioso é que, quando se esmiúça a coisa, nos deparamos não com meteorologistas… mas com geógrafos. 

Tanto em Espanha, na génese do Meteored, como na condução do “tempo.pt”. Há um redactor-chefe que, como outros, é licenciado em Geografia e que, do alto do currículo que apresenta (sem referência à meteorologia), invoca o que deve ser o grande elemento que motivou a sua vocação meteorológica: “Desde pequeno que tem paixão pela Natureza, em particular por tido o que envolve a Geografia, o tempo e o clima. Desde a praia e os oceanos, ao céu e às montanhas, do cheiro das plantas e das árvores até à contemplação da beleza assustadora de trovoadas e vulcões.” 

Estranha-se, no entanto, que não tenha incluído os “rios atmosféricos” na sua confissão passional.





Aliás, quando se vê mais de perto quem faz o Meteored, o que se destaca é a quantidade de profissões de fé emocional de “amantes” e “apaixonados” dos fenómenos naturais. 

Esta liberalidade confessional, que não seria de recomendar no que é anunciado como projecto profissional (mas há muita gente que não quer saber mais…), atinge o pico quando uma das colaboradoras nacionais, evoca como valorização a sua qualidade de “jornalista e viajante”.

E é isto que está na base dos devaneios meteorológicos da Lusa (será que paga ao Meteored pela utilização dos seus dados?) e, em terceira mão, do “Observador” e dos seus funcionários.

Há quem ainda chame “jornalismo” a isto. Mas eu não.



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