1. Tomemos, em primeiro lugar, dois excertos da notícia do "Jornal de Noticias" (8.05.15) que tem o extravagante título "Paulo Morais demitirá por 'má figura' primeiro-ministro que não cumpra promessas":
"Um primeiro-ministro
que desenvolva uma política contrária ao que prometeu em campanha eleitoral, se violar esse contrato, só pode ter um caminho comigo a Presidente da República,
que é o despedimento por triste e má figura", assegurou à agência Lusa
Paulo Morais, à margem da visita que efetuou à Feira do livro, em Portimão.
Para o antigo
vice-presidente da Câmara do Porto, durante o mandato de Rui Rio (PSD) entre
2002 e 2005, "de acordo com o artigo 195.º da Constituição, o presidente
não só tem o direito, como tem a obrigação de em nome do povo que o elegeu, de
demitir o primeiro-ministro e o parlamento".
2. Tomemos agora o citado artigo 195.º da Constituição da República Portuguesa, que tem dois únicos pontos sobre a "demissão do Governo":
1. Implicam a demissão do
Governo:
a) O início de nova legislatura;
b) A aceitação pelo Presidente da República do
pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro;
c) A morte ou a impossibilidade física
duradoura do Primeiro-Ministro;
d) A rejeição do programa do Governo;
e) A não aprovação de uma moção de confiança;
f) A aprovação de uma moção de censura por
maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.
2. O Presidente da República só pode demitir o
Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento
das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.
3. Confrontado o que diz o candidato à Presidência com o texto constitucional que, como Presidente, seria obrigado a respeitar, vemos sem grande dificuldade que ele está a prometer fazer uma coisa que não pode fazer nas condições em que diz que o fará.
Será conveniente sublinhar que:
a) A Constituição não prevê a "triste e má figura" como condição para o Presidente demitir um governo;
b) A Constituição exige que a demissão só exista "para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas"; e que
c) Deve ser, para o efeito, ouvido previamente o Conselho de Estado (que é um plural).
4. Isto significa uma coisa que não deveria ser difícil de perceber: este candidato está a prometer fazer uma coisa que não pode fazer.
Ou seja: está a tentar corromper os eleitores aos prometer-lhes o que pode ser considerado uma vantagem que é legalmente indevida.
5. Seguindo a sua própria lógica, este candidato, caso fosse eleito Presidente da República (o que um mínimo de bom senso deverá impedir), deveria demitir-se de imediato (ou ser "despedido" pelo povo). A não ser que...
6. E é aqui, neste "a não ser que" que a demagogia usada para comprar votos se torna perigosa.
Porque a única maneira de um candidato como este querer pôr em prática aquilo que promete é anular todos os mecanismos constitucionais.
E isso significa fazer um golpe de Estado.
Será essa a intenção do demagogo?
E dos seus devotos seguidores?
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