terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Cá se fazem, cá se pagam




Todos o fazem: o Presidente da República, o primeiro-ministro, os ministros, os secretários de Estado, os directores-gerais, os indivíduos que dirigem isto ou aquilo no sector público e no sector privado. Não é a "cunha" no sentido mais clássico, em que alguém pede um tratamento de favor para uma pessoa ou um procedimento ou um processo, mas a versão mais benigna em que o peticionário se limita a pedir ao destinatário da sua intervenção uma atenção para um assunto.

A intervenção do Presidente da República no "caso das gémeas" (as duas crianças luso-brasileiras que beneficiaram de um tratamento hospitalar milionário depois de uma intervenção de teor desconhecido do filho do Presidente junto do pai Presidente) poderá ter sido apenas isso. 

Não se sabe, em concreto, o que lhe pediu o filho em questão, nem se insistiu ou falou com o pai. Sabe-se, sim, que de um organismo da Presidência da República saiu para o Governo uma comunicação "para os fins tidos por convenientes" e que, depois disso, o Ministério da Saúde interveio e um hospital público acolheu, e tratou, as duas crianças.

É possível que o Presidente da República já tenha enviado para o Governo muitos pedidos que cidadãos, de maior ou menor relevância lhe tenham remetido. E que uns tenham sido acolhidos e outros não. E que muitos dos que foram acolhidos e favoravelmente despachados o tenham sido com toda a legitimidade. 

Só que, neste caso, o peticionário é um filho do Presidente. E no outro lado está agora um primeiro-ministro que vai ser formalmente demitido por decisão do Presidente, a quem culpa pela actual crise política, e que é incapaz de perdoar.

Exposto num caso de tratamento de favor, o Presidente pôs-se a jeito. E ainda não devem ter chegado ao fim os elementos que o chefe do Governo em exercício há de querer usar para o seu ajuste de contas com o Presidente da República.

Enlevados não poucas vezes nos braços um do outro, o Presidente e o primeiro-ministro estão agora na fase do "cá se fazem, cá se pagam". 

O desfecho é incerto, mas já todos sabemos, incluindo o Presidente, que quem se mete com o PS leva...



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