quarta-feira, 1 de abril de 2020

Roadkill


É como na selva, ou num sítio remoto, habitado apenas por animais selvagens (e seres humanos ainda selvagens). Quando menos o espera, depara-se o passeante, alertado pelos cães que passeia (ou que o passeiam) ou pelo olhar capaz de reparar nos pequenos pormenores.
Aqui, no meio da vegetação, numa rua com nome mas feita de terra batida, aparece a caveira e parte da coluna vertebral de um caprino. Pequeno, grande, velho, novo? Os cornos parecem já ter algum uso, lascados por qualquer motivo, mas a caveira, ou o que dela resta, é pequena. São poucos os caminhos e estradas e talvez uns dois quilómetros, se tanto, que separam este achado do discreto drama da cabra que deve ter-se perdido do rebanho. Estarão associados? Só o saberão os animais que por aqui andam de noite.





Não muito longe, a subir a estrada prosaicamente chamada de Estrada do Vale, deparo-me com outro morto. É difícil de ver, mas depois percebe-se. 
É o cadáver de um gato cinzento, pendurado numa árvore. Parece ter ficado molemente pendurado num ramo. Pode ter sido atropelado e alguém o atirou, elevando o braço, para as árvores que estão num plano superior? Não me parece, porque o acesso, a partir da estrada, é muito difícil. Seja como for, aí ficou. Por um estranho acaso, se por acaso foi isso que aconteceu, os olhos sem vida do bicho parecem fitar quem, passando, o vê. 
Teria dono? Será um dos muitos que por aqui andam, quase selvagens, alimentados a restos por almas que não se apercebem do disparate e pelos pequenos animais que conseguem apanhar?





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Actualização em 22.04.2020: O cadáver do gato desapareceu.

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