A "Guerra dos
Tronos" pode ser um fenómeno de entretenimento audiovisual e de televisão
em todo o mundo mas em Portugal é um fenómeno muito especifico que cai por
inteiro no domínio da parolice: num extremo agitam-se os cristãos-novos do
entretenimento televisivo e no outro os snobs botas-de-elástico, orgulhosos por
nunca terem visto um episódio.
E, para quem sabe, a
"Guerra dos Tronos" não é uma inovação em termos televisivos embora, numa perspectiva global (e só depois de terminada), até possa ser comparável à trilogia "O Senhor dos Anéis".
A produtora norte-americana HBO, que lançou esta série, já tinha feito
"Roma" há 12 anos. Durou duas temporadas, escandalizou e assustou.
Foi cancelada.
"Duna" (os seis romances de Frank Herbert, que parece
estar a caminho da televisão) é mais sugestivo do que Maquiavel em termos
políticos.
"The Wire" (2002) abordou, como nenhuma outra série ou
filme de longa-metragem, os vários aspectos (droga, política, imprensa,
sindicalismo, etc.) das sociedades modernas.
"Prison Break" (2005),
delirante na história, foi um marco na definição da narrativa televisiva.
"Big Little Lies" (2015) é uma crónica contemporânea com tempo para
respirar, tal como "The Night Of" (2016) se deu ao luxo de filmar
silêncios com toda a calma do mundo, o que seria praticamente impossível no
cinema.
E há "House of Cards" (2013), delirante mas ilustrativo. Ou o shakespeareano "Sons of Anarchy". E
tantas outras séries…
O audiovisual mudou
radicalmente. A famosa realizadora Jane Campion, que já se estreou na televisão
(com a série “Top of the Lake", a que acrescenta agora uma segunda temporada)
disse à “Total Film” (edição de Agosto): “É tão excitante na televisão: pode-se
dizer o que raio se quiser. E não há problema. No cinema, insistem e insistem:
‘Oh, meu Deus, disse mesmo isso? É tão agressiva!’”.
O que cá não se vê
A televisão contemporânea, em matéria de ficção, é isto e muito mais, da
narrativa às histórias, da liberdade de temas à fantasia mais desbragada, da
qualidade absoluta às histórias mais fantásticas.
O cinema em geral está hoje, no
que se refere aos conteúdos, numa encruzilhada. O cinema "mainstream"
raramente mostra filmes acima da média. O cinema independente procura
colmatar-lhe as brechas, mas anda atrás da tendência maioritária. A televisão é
hoje o elemento audiovisual mais inovador e de maior futuro.
Claro que não é isso o que cá
se vê. O panorama da produção televisiva nacional é deprimente. A imprensa vive
à conta das promoções das distribuidoras de cinema e ignora o resto. Os críticos
de cinema existentes, que vivem à conta dos "visionamentos", fazem
gala em ignorarem a televisão. Enaltecem as virtudes das salas às escuras, dos
"dark rooms" do prazer cinéfilo. O resto não vêem, não conhecem. Mas
já os houve, profissionais e atentos.
Ver as séries de televisão
não tem mal. Não faz mal a nada.
As boas séries correspondem, como “The Wire”
bem mostrou, à narrativa dickensiana. A televisão de ficção é uma irmã da
literatura de ficção. Dão-se bem, e até se complementam. Há sequências
perfeitas, interpretações admiráveis, narrativas enleantes, temas para todos os
gostos. E qualidade, muita qualidade, em quase tudo.
Vá, vejam televisão, vejam a
“Guerra dos Tronos”, mas também “The Walking Dead”, “Billions” ou “Arrow”.
Entretenham-se.
E sem preconceitos, já agora, que é coisa com que muitos
"opinion makers" disfarçam a sua parolice.
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