Um empresário da restauração, bastante criativo e percebendo a certa altura que a venda de vinho a copo no seu restaurante popular não era tão lucrativa como vender garrafas inteiras com os preços inflacionados a 200 por cento, começou a fazer uma experiência: foi aproveitando os restos das garrafas que ficavam por beber para, misturando-os (tintos com tintos e brancos com brancos), servir de novo em copo e em jarro, como se fosse vinho de bag-in-box.
Como os clientes são, por norma, mais curiosos com as origens e os rótulos das garrafas do que com os vinhos servidos a jarro e copo, respondia em termos genéricos com “Palmela”, “Alenquer” ou “Alentejo”, se alguém fazia perguntas sobre o “pedigree” desses vinhos. E toda a gente tomava a resposta como boa.
Quando o calor começou a apertar, e ao ver aumentar as propostas dos fornecedores de ter à venda mais vinhos rosés, lembrou-se de levar mais longe a sua criatividade. Começou por reunir restos de tintos e de brancos, em separado, para depois, numa primeira experiência, os ir despejando para um jarro de vidro transparente, em quantidades iguais. A cor foi evoluindo, consoante o equilíbrio dos vinhos: castanho claro, amarelado, cor de salmão, cor de rosa, bordeaux…
Comparou o resultado final da sua mistura com a cor dos rosés engarrafados (mais a tender para a cor de salmão) e achou-a a satisfatória. Feita a coisa a olho, não mediu as quantidades para ter uma receita única, mas achou que chegava.
Só faltava um pormenor: o gosto. Os rosés têm um sabor adocicado que não aparecia no seu rosé improvisado, nem mesmo se misturasse mais vinhos alentejanos. Acrescentaria açúcar? Não, podia correr o risco de transformar a coisa em sangria. E moscatel? Talvez. Pouco alcoólico, com um tom doce equilibrado, de gosto mais conhecido graças ao limão e por isso, não o tendo, de presença mais discreta.
Deitou fora parte da mistura e acrescentou moscatel. Com cuidado, para não desequilibrar o resultado. E, da cor ao gosto, obteve o rosé perfeito. Bem fresco, sairia bem. Ou não?
Começou a promover o seu rosé «caseirinho» junto de alguns clientes mais assíduos. Vendido a jarro, muito fresco, saiu realmente bem. Quando lhe perguntavam pela origem, remetia, para variar, para a zona de Pegões (Setúbal, de onde, aliás, provinha o moscatel).
Um dos seus clientes, mais cuidadoso na escolha dos vinhos, provou-lhe o rosé quando a sua companhia de jantar quis beber um copo de rosé, até gostou e ficou intrigado. Fez perguntas ao nosso empresário, sobre a origem, a região, a marca. O inventor do rosé esquivou-se até onde pôde e, por fim, viu-se mesmo obrigado a responder.
Alto, rotundo, em geral amável mas de gestos bruscos e bastante liberal na linguagem depois das horas de fecho, o empresário fitou o cliente e atirou-lhe: “É o Rosé da Tia!”
O cliente hesitou. E depois, juntando os seus conhecimentos básicos de vernáculo à boa imagem da única tia que ainda lhe restava e que muito estimava, retirou-se em boa ordem. E nunca mais voltou à casa de pasto.
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