Num dos seus espaços de comentário na SIC, Miguel Sousa Tavares (que dificilmente se poderá considerar um modelo) proclamou que Donald Trump “não podia” ser presidente dos EUA porque — por estas palavras ou outras de sentido idêntico — vestia-se mal. Tanto quanto me recordo, não se referiu ao cabelo nem ao tamanho das gravatas do alvo da sua ira. Mas podia tê-lo feito.
Este tipo de comentário é hoje o paradigma do que a imprensa portuguesa, em geral, publica sobre o presidente dos EUA e sobre tudo aquilo que é americano e que tem a ver com o domínio do poder executivo local (do aparelho de Estado às decisões de governo, passando pela política externa). Mas não só: é porque a mulher não lhe dá a mão, ou porque uma actriz famosa o critica, ou porque — lá chegaremos, se isso se souber — ele deixa o tampo da retrete levantado depois de urinar.
Com Trump na presidência há meio ano, é quase impossível saber pela imprensa portuguesa o que realmente se passa na política interna e na política externa desse país.
O desvario da imprensa portuguesa chega ao ponto de, babando-se perante qualquer figura internacional que critique Trump, nem perceber que está um curso um processo, inevitavelmente muito lento, que irá levar a uma proposta de “impeachment”. O presidente norte-americano, nas suas extravagâncias, põe-se a jeito, é certo, mas a opinião é uma coisa e a informação é outra.
Em tempos que já lá vão, e foi isso que eu aprendi e pratiquei nas áreas jornalísticas onde ganhei o direito a ter opinião, separava-se a notícia do comentário. O jornalista dava a informação e, se entendesse fazê-lo, no âmbito do seu trabalho, comentava a informação.
Não é o que acontece hoje. A falta de memória política e histórica, a ignorância, a incompetência profissional, a depreciação do trabalho jornalístico e o desespero económico de um jornalismo que preferiu vender-se a fazer por vender jornais, entre outros factores, deram origem a este miserável quadro.
A figura do presidente dos EUA não me é simpática. Tenho as maiores dúvidas sobre a bondade das suas medidas. Mas sei que ele governa porque foi eleito (não é o caso, cá…) e que a democracia, como aliás está a ver-se, tem meios próprios de se defender de eventuais entorses ou ameaças. E quando quero saber mais à procura de informação na imprensa estrangeira. Posso fazê-lo e sei fazê-lo mas, francamente, preferia encontrar as notícias na imprensa portuguesa que frequento.
Sem comentários:
Enviar um comentário