É possível que Marcelo Rebelo de Sousa tenha encarado as
eleições presidenciais como um desafio, objectiva e subjectivamente.
Tinha, um dia, de se submeter a uma eleição nacional e fazer
por ganhá-la. Com isso desmentiria os que o acusavam de ser só “treinador de
bancada” com resultados infelizes quando desceu à arena política (câmara de
Lisboa e AD), e culminaria a sua vida pública com o mais elevado cargo do
Estado numa altura em que ele, vazio, ficava mesmo a jeito.
Por outro lado, e numa altura em que os resultados das
eleições legislativas eram muito incertos, o presidente Marcelo seria, para o
eleitorado do PSD e do CDS, a melhor das hipóteses se o PS chegasse
legitimamente ao poder.
A sua candidatura era natural. Mas num espectro político que,
por referência aos partidos, abrangesse parte o PSD, o CDS e uma parte do PS.
A sua vitória seria segura e talvez ainda mais segura se se
afirmasse como uma candidatura individual e “independente”. O sistema
constitucional português, nas suas boas intenções, reserva as eleições
legislativas aos partidos e as presidenciais aos indivíduos: as candidaturas
presidenciais são pessoais e não partidárias.
Mas, no fundo, esta perspectiva é falaciosa. Nestas eleições presidenciais
há dois partidos com candidatos próprios: o PCP e o BE. Por outro lado, o PS,
que até oficialmente não tem candidato, consegue o prodígio de ter três
candidatos: dois são militantes do PS e um é como se fosse, dependendo da ala
do PS que esteja de turno nesse dia (Sampaio da Nóvoa).
Se a “direita” tem um candidato (Marcelo Rebelo de Sousa), a
“esquerda” tem cinco (por ordem alfabética: Edgar Silva, Henrique Neto, Maria
de Belém Roseira, Marisa Matias, Sampaio da Nóvoa). Depois há quatro candidatos,
que oscilam entre o caudilhismo demagógica e a vaidade.
Destas dez figuras, as que realmente importam (e se a
democracia permite esta espécie de feira das vaidades, ela também permite dizer
que alguns candidatos são relevante e que outros, apesar do penteado ou do
discurso, realmente não o são) são as do leque “esquerda”/”direita”, mesmo que
a maioria dos cinco da “esquerda” tenham um discurso que revela a sua profunda
ignorância dos poderes e do papel do Presidente da República em Portugal.
A fartura de candidaturas pode dar uma imagem pujante da
“esquerda”. Mas essa imagem, a existir, só pode ser patética, e não apenas pela
sua divisão e pela sua ignorância.
2
A “esquerda”, com os seus cinco candidatos, poderá vencer as
eleições presidenciais? Não, e não será por completo arriscado dizer que nunca
o conseguirá fazer, nestas eleições, à primeira volta.
As candidaturas do PCP e do BE visam apenas a fixação dos
respectivos eleitorados, com as suas versões algo troglodita das respectivas
prestações nas eleições legislativas, com discursos mais caceteiros do que os
seus chefes partidários.
O que dizem não é a pensar no exercício do cargo presidencial
mas a pensar no que os militantes e eleitores do PCP e do BE querem ouvir.
Poderá ser interessante especular sobre o que seriam os mandatos presidenciais
de Edgar Silva e de Marisa Matias mas o assunto é mais sério do que isso, já
basta o governo que existe actualmente e nenhum deles (nem as suas hierarquias
partidárias) pensa na realidade que lá chegará.
E no PS? António Costa conquistou o Governo com uma frieza
golpista que se julgava impensável no país dos “brandos costumes”. É possível
que nesta fase, enquanto subsistem as ilusões, a escolha da candidatura
presidencial fosse feita de maneira mais controlada e com todas as opções bem dentro
do redil partidário.
Mas o mal já estava feito. Num retrato também simbólico
daquilo que é e sempre foi o PS, os seus três candidatos dão voz a três sensibilidades
diferentes: Sampaio da Nóvoa é o candidato da esquerda do PS, da sua “terceira
via” actualizada; Maria de Belém Roseira é a candidata dos apoiantes do “bloco
central” dentro do PS, de um sector mais conservador; Henrique Neto é o
sucessor de muitos outros candidatos derrotados, que se ergueram de margens do
PS para onde rapidamente voltaram, uma candidatura marginal que também vive do
relativo êxito mediático do candidato e que, ganhando algum ímpeto, pode ir
buscar mais votos aos sectores conservadores do PS e a algum eleitorado
conservador (que não consegue satisfazer-se com Marcelo Rebelo de Sousa).
Em qualquer dos casos, as eleições presidenciais, pelo menos
à primeira volta, serão uma derrota para o PS. Nem vale a pena escondê-lo: a
soma dos votos obtidos pelos três candidatos deve ser lida, com alguma
maleabilidade, em função dos resultados obtidos pelo PS nas eleições
legislativas de Outubro do ano passado, mas também fragmentadamente: qual é a
tendência das três que obtém mais votos? E aproveitá-los-á para uso interno?
E Marcelo Rebelo de Sousa conseguirá ganhar as eleições? À
partida, sim. Pode dizer-se que tem tudo a seu favor, sobretudo por comparação
com os restantes candidatos.
Não é um desconhecido e a exposição mediática está
assegurada, pelo menos desde que passou da rádio para a televisão. Conseguiu,
diante das câmaras, substituir a postura do professor catedrático e autor de
pareceres jurídicos por uma atitude mais simpática e mais afectuosa, moderando-se
nos comentários e procurando mostrar que sabe de tudo um pouco, como um
divulgador e não um comentador. E até pode ganhar um apoio mais emocional de
quem o vê transformado no “bombo da festa” dos restantes nove. Por outro lado,
não renegou objectivamente a “família” política e partidária e a popularidade
que ganhou também lhe abriu portas na “esquerda”, apesar de se situar no campo
da “direita” e não apenas no domínio político.
Mas é aqui que pode estar a sua maior fragilidade.
Da incursão na festa do “Avante!” em vésperas de se
apresentar como candidato presidencial ao modo como se foi criando alguma
distância relativamente ao PSD e uma aproximação cautelosa ao PS de Costa,
Marcelo pode ter perdido apoios e votos entre os eleitores do PSD e do CDS. E,
não sendo esse o seu eleitorado exclusivo, é com ele que Marcelo pode contar,
nas eleições ou depois, se chegar à Presidência da República.
Esta situação pode levar à abstenção nas eleições de 24 de
Janeiro ou à deslocação de votos… talvez para o único candidato que apresenta
um perfil mais sério e mais conservador, que é o caso de Henrique Neto.
E se Marcelo não ganhar à primeira volta, ganhará à segunda?
Poderá pensar-se que sim, claro, mas tudo dependerá do outro candidato que
passar à segunda volta e dos votos que consiga ter por parte do eleitorado dos
restantes perdedores.
Portanto, Marcelo precisa mesmo de ganhar à primeira volta. E
de ser mesmo o Wally de que ainda anda à procura o eleitorado conservador e/ou
mais avesso a aventuras políticas (como a deste governo “das esquerdas”). Ainda
haverá tempo para isso?
(Publicado, em três partes, no Tomate.)
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