Júlio Dinis ("As Apreensões de uma Mãe"): "Representava um velho de nobre fisionomia, vestido com a farda da marinha portuguesa, e em cujo peito se divisava, distintivo de lealdade e valor, uma pequena fita em fivela de prata. Era o retrato do pai de Tomás (...)"
Comentário: "Este retrato é um empata relações. Já passei por isto com um cão de uma namorada. Um bóxer; são os piores para fazer olhar de reprovação."
Júlio Dinis ("As Apreensões de uma Mãe"):"Assim se passaram seis anos."
Comentário: "Ena, estávamos aqui na conversa e nem dei por isso. O problema é que não pus moedas no parquímetro."
Camilo Castelo Branco ("O Sr. Ministro"): "E, como era de esperar, não lhe mandou a mesada nem mais respondeu às cartas do filho."
Comentário: "O Tibúrcio vai ficar mais falido do que a Grécia."
Camilo Castelo Branco ("O Sr. Ministro"): "Na taverna do Alho, defronte do cruzeiro, ia grande algazarra."
Comentário: "E depois inventaram a televisão."
Eça de Queirós ("As Singularidades de uma Rapariga Loura"): "As revoluções da Grécia principiavam a atrair os espíritos romanescos (...)"
Comentário: "Que diferentes estão os tempos..."
Eça de Queirós ("As Singularidades de uma Rapariga Loura"):" - Eu! - disse Luísa, com voz baixa, toda escarlate."
Comentário: "Finalmente algo que faça corar a pele de transparente porcelana da Luísa."
Os excertos acima reproduzidos são dos autores e dos seus textos devidamente identificados. Os "comentários" não foram tirados de testes de alunos do ensino básico mas pertencem, respectivamente (nos três blocos) a pessoas que estão identificadas como João Quadros, Nilton e Maria Rueff, tendo sido extraídos de edições das obras citadas publicadas pela revista "Sábado" ao longo de três semanas com o lema "Rir com os Clássicos".
Não sei quem são os autores dos comentários, à excepção de Maria Rueff, que é actriz, porque também não nos são apresentados.
Quando folheei a primeira publicação, não consegui rir-me. E o mesmo aconteceu com as duas outras.
Os comentários, semeados pelas várias páginas, não têm graça. São deprimentes. Não conseguem suscitar um sorriso, quanto mais um riso. Pode ser que tenham esse efeito mas decerto que em qualquer conversa de madrugada, quando o que se vai consumindo vai fazendo com que tudo tenha graça.
A revista "Sábado" é uma publicação estimável. Mostra algum grau de bom gosto e de sensibilidade. Há nela alguma massa crítica (como às vezes de diz) que é inteligente e culta. E por isso é que isto é tudo tão deprimente. Duplamente: não tem graça e traz a afirmação implícita de que é necessário enxertar comentários que pretendem fazer "rir" para "vender" textos considerados "clássicos".
Os textos dos três escritores são, parece-me, peças menores das respectivas obras. Mas mereciam algum respeito. E, já agora, o público da "Sábado" também. Quanto aos promotores da ideia e aos "comentadores"... Bem, o retrato do que conseguem fazer e do que se julgam está feito. E também é deprimente.
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