terça-feira, 8 de dezembro de 2015

"Sons of Anarchy": Shakespeare sobre rodas



 
 
As referências que tinha lido (eventualmente de passagem no IMDB), talvez numa das revistas de cinema que compro ou qualquer imagem que me tenha passado pela frente num dos canais da televisão por cabo não me suscitaram grande interesse por uma série com o nome pouco intrigante de "Sons of Anarchy" e passada, pareceu-me, em cima de motas, objecto rolante que pouco me dizia.
Não havia nomes conhecidos (Ron Perlman, quando muito) e o seu criador, ou "showrunner" (na linguagem televisiva) Kurt Sutter não me dizia nada.
Mas depois a série já estava inteiramente disponível em DVD e era época de defeso nos canais de cabo. Portanto... porque não?
Foram sete temporadas, 92 episódios e mais de 80 horas de televisão. E o resultado? Oito conclusões:
 
 
 
 
1 - "Sons of Anarchy" é uma das séries que melhor demonstra o que é a nova televisão dos nossos tempos: há uma história completa que liga pouco à montagem de episódios sequenciais, que segue a estrutura de uma narrativa ficcional tradicional, partindo de uma base realista (encontra-se aqui uma análise sugestiva). É, de certa forma, como um livro.
2 - Todos os elementos se conjugam na perfeição: a temática (um clube de motoqueiros que são "outlaws", com uma estrutura muito específica, empresarial e capaz de equilibrar as actividades legais com as mais do que ilegais), um argumento imparável (onde pode sempre acontecer qualquer coisa de surpreendente e... horrível), a linguagem (diálogos e imagens) claramente adulta, sem qualquer tipo de barreiras.
3 - Tem um conjunto de personagens muito fortes e muito bem estruturadas (compensando outras que são simples "verbos de encher"), numa dinâmica colectiva muito bem construída.
4 - Tem uma banda sonora que é um verdadeiro programa, quase autónomo e que muitas vezes serve de comentário (para os interessados, são quatro CDs, com o título genérico de "Songs of Anarchy").
5 - Revela o controlo praticamente absoluto do seu criador, Kurt Sutter, em todos os domínios (e até na interpretação de uma das figuras centrais da história).
6 - Tem um subtexto shakespeareano bem pensado - seguindo quase a linha narrativa de "Hamlet" (e há aqui um bom texto sobre esse aspecto, onde evidentemente avulta o Hamlet construído por Charlie Hunnam, com o seu Jax Teller), passa por "Macbeth" (e que Lady Macbeth é Katey Sagal, a "mãe" Gemma do clube) e por "Rei Lear" (Ron Perlman, o primeiro presidente do clube) e desenvolve e afirma um estilo de tragédia clássica que é concretizado de forma impecável.
7 - Além do mais, consegue abrir espaço a um tom comedidamente paródico, que é sempre fundamental numa narrativa coerente: a intervenção de Stephen King (o especialista em fazer desaparecer cadáveres), a personagem transgénero Venus Van Dam criada por Walton Goggins (de "Justified") ou a sopa feita com uma cabeça.
8 - E, finalmente, as motas: as Harley-Davidson são realmente fotogénicas...
 
 
[Vi "Sons of Anarchy - The Complete Series 1-7" numa edição em DVD da 20th Century Fox Home Entertainment, de 2015, legitimamente adquirida.]
 

Sem comentários: