sábado, 26 de outubro de 2024

Censura: como não se noticia, não existe

 

Não se noticia, portanto não aconteceu. Este postulado rege a imprensa oficial nacional, a tal que é feita daquilo que, com alguma arrogância, foi chamado jornalismo "de referência": um acontecimento, uma pessoa ou uma obra cultural ou científica deixam de existir se não houver notícias. Encontrei-o, e convivi com ele, em todos os jornais onde trabalhei e, cada um à sua maneira, vi-o defendido e aplicado por directores e outros chefes.

Se já por aqui tenho apresentado exemplos suficientes desta orientação, há mais outro, e bem evidente. Que é o modo como foi ignorada, ou censurada, a realização da cimeira da organização de países conhecida por BRICS durante esta semana.

A designação "BRICS" começou por ser, apenas, "BRIC" para indicar quatro grandes países cujo desenvolvimento económico enfrentava algumas dificuldades em 2001 (Brasil, Rússia, Índia e China). Quando a África do Sul se juntou a este grupo, em 2011, a designação passou a ser "BRICS". Hoje, os países-membros são nove (África do Sul, Brasil, China, Egipto, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Índia, Irão e Rússia) e a estes países juntaram-se agora mais treze com o estatuto de "Estados associados": Argélia, Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietname.

A cimeira deste ano dos BRICS realizou-se no Cazaquistão (que faz parte da Federação Russa) e o seu anfitrião foi Vladimir Putin, porque a presidência do grupo, que é rotativa, coube este ano à Rússia. 


A cimeira dos BRICS, onde o "global South" voltou as costas ao "colective West" 




O "isolamento" de Putin, aqui na companhia de Xi Jinping (China) e Narendra Modi (Índia)






A Rússia pôs a circular um cartão de débito, para pequenas despesas, num pequeno ensaio de como poderá ser um dos elementos a desenvolver entre os países dos BRICS




Contrastes


No conjunto dos países representados (e ao mais alto nível) na cimeira vivem cerca de 45 por cento da humanidade, três deles estão entre os países mais poderosos a nível mundial (China, Índia e Rússia) e um dos candidatos à entrada no grupo é a Turquia (que faz parte da NATO e que não consegue ser admitida na União Europeia). Um dos aspectos mais significativos foi o lançamento de um processo de pagamentos bancários comum aos membros dos BRICS e o que parece ser o primeiro passo para a já chamada "desdolarização". E outro foi o fim do mito de que Putin está "isolado". Não está, e até se pode ver isso pelo modo como o presidente da China e o primeiro-ministro da Índia, como outros chefes de Estado e de governo, e até o secretário-geral da ONU se juntaram a ele.

Pois esta reunião foi ferozmente ignorada pela imprensa oficial. Quem procurar notícias sobre a cimeira dos BRICS não as encontrará. A lógica é esta: não se dá notícia e a reunião nunca existiu; os chefes de Estado e de governo nunca estiveram com Putin; estes países nem sequer existem. Ou seja: a imprensa oficial fez censura. Porque tudo o que pode ser visto como favorável à Rússia tem de ser ignorado, mesmo que isso implique esconder a verdade.

E é esta imprensa a que o Governo quer apoiar, porque não há público que lhe pegue!


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