Não se noticia, portanto não aconteceu. Este postulado rege a imprensa oficial nacional, a tal que é feita daquilo que, com alguma arrogância, foi chamado jornalismo "de referência": um acontecimento, uma pessoa ou uma obra cultural ou científica deixam de existir se não houver notícias. Encontrei-o, e convivi com ele, em todos os jornais onde trabalhei e, cada um à sua maneira, vi-o defendido e aplicado por directores e outros chefes.
Se já por aqui tenho apresentado exemplos suficientes desta orientação, há mais outro, e bem evidente. Que é o modo como foi ignorada, ou censurada, a realização da cimeira da organização de países conhecida por BRICS durante esta semana.
A designação "BRICS" começou por ser, apenas, "BRIC" para indicar quatro grandes países cujo desenvolvimento económico enfrentava algumas dificuldades em 2001 (Brasil, Rússia, Índia e China). Quando a África do Sul se juntou a este grupo, em 2011, a designação passou a ser "BRICS". Hoje, os países-membros são nove (África do Sul, Brasil, China, Egipto, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Índia, Irão e Rússia) e a estes países juntaram-se agora mais treze com o estatuto de "Estados associados": Argélia, Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Indonésia, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietname.
A cimeira deste ano dos BRICS realizou-se no Cazaquistão (que faz parte da Federação Russa) e o seu anfitrião foi Vladimir Putin, porque a presidência do grupo, que é rotativa, coube este ano à Rússia.
A cimeira dos BRICS, onde o "global South" voltou as costas ao "colective West" |
O "isolamento" de Putin, aqui na companhia de Xi Jinping (China) e Narendra Modi (Índia) |
A Rússia pôs a circular um cartão de débito, para pequenas despesas, num pequeno ensaio de como poderá ser um dos elementos a desenvolver entre os países dos BRICS |
Contrastes |
No conjunto dos países representados (e ao mais alto nível) na cimeira vivem cerca de 45 por cento da humanidade, três deles estão entre os países mais poderosos a nível mundial (China, Índia e Rússia) e um dos candidatos à entrada no grupo é a Turquia (que faz parte da NATO e que não consegue ser admitida na União Europeia). Um dos aspectos mais significativos foi o lançamento de um processo de pagamentos bancários comum aos membros dos BRICS e o que parece ser o primeiro passo para a já chamada "desdolarização". E outro foi o fim do mito de que Putin está "isolado". Não está, e até se pode ver isso pelo modo como o presidente da China e o primeiro-ministro da Índia, como outros chefes de Estado e de governo, e até o secretário-geral da ONU se juntaram a ele.
Pois esta reunião foi ferozmente ignorada pela imprensa oficial. Quem procurar notícias sobre a cimeira dos BRICS não as encontrará. A lógica é esta: não se dá notícia e a reunião nunca existiu; os chefes de Estado e de governo nunca estiveram com Putin; estes países nem sequer existem. Ou seja: a imprensa oficial fez censura. Porque tudo o que pode ser visto como favorável à Rússia tem de ser ignorado, mesmo que isso implique esconder a verdade.
E é esta imprensa a que o Governo quer apoiar, porque não há público que lhe pegue!
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