Uma das coisas que mais prezo nos restaurantes é a capacidade de apresentarem vinhos da sua própria região, quando a região em que se inserem tem vinhos que o justifiquem, e que o façam com preços razoáveis. Lembro-me de alguns restaurantes do Dão (sempre a minha referência!) que sabem promover os vinhos da sua própria região. (E, note-se, quando falo dos vinhos do Dão, não falo do Dão de aviário comercializado com a marca Cabriz.)
Desde que me estabeleci na Região Oeste que tenho procurado conhecer mais de perto os seus vinhos, agrupados em duas "regiões" vinícolas administrativas que são "Lisboa" e "Tejo", denominações que, aliás, já não fazem grande sentido, atendendo às diferenças entre os vinhos da costa atlântica, e os que dela estão mais próximos, do interior rural e do chamado "Vale do Tejo". E, felizmente, encontro-os em vários dos restaurantes que frequento.
Mas um dos que não conhecia era os da marca Garrocha e o primeiro jantar vínico organizado pelo restaurante Recanto, aqui em Caldas da Rainha, ontem, permitiu-me conhecê-los e devo declarar que a descoberta foi surpreendente.
A marca Garrocha é a marca de vinhos de uma família de Alenquer, de apelido Macieira, com sede na Quinta do Garrido e outras duas quintas, a Quinta da Gaia e a Quinta de Sans Souci, tendo cabido ao seu dirigente Francisco Macieira, que é enólogo, a sua apresentação.
As "tropas" dispostas no terreno: Francisco Macieira (à esquerda) fez a apresentação dos seus vinhos |
A prova foi articulada com uma sucessão de pratos, excelentemente confeccionados, que ajudaram a dar relevo aos vinhos seleccionados: dois brancos monocastas (Arinto), um tinto monocasta (Tannat) e um tinto "blend".
A refeição abriu com Camarão à Guilho e com Sopa Creme de Amêijoa e com o branco Mar do Inferno. Seguiram-se-lhe Bacalhau com Broa, com o branco reserva Barca do Inferno e Lombinhos de Porco com Molho de Mel e Mostarda com o tinto monocasta Barca do Inferno, fechando a refeição com Perdição de Chocolate e Abacaxi e o tinto "blend" Criatura.
Os dois brancos (Mar do Inferno, de 2021, Barca do Inferno, 2020, reserva) são ambos da casta Arinto. O primeiro é mais leve e mais fresco e o segundo, estagiado em madeira, revela-se mais elegante. A casta Arinto pode não ser tão imediatamente atraente por parecer algo agreste, mas o certo é que, depois da abertura e estabelecido o contacto com a temperatura ambiente, revelaram-se ambos mais saborosos. A harmonia foi perfeita com o peixe e com o marisco. .
Mar do Inferno: um Arinto imediatamente agradável numa elegante garrafa azul |
Quanto aos dois tintos, o Barca do Inferno, de 2020, é um vinho exuberante e robusto, de cor muito viva e sabor intenso. Já o Criatura, de 2019, com a sua composição de Tinta Miúda (80 por cento), Mencia (ou Jaen, 10 por cento) e Castelão (10 por cento) é um vinho mais contido mas muito nobre, aproveitando de forma magnífica a polivalente Tinta Miúda.
E pode fazer-se aqui um exercício teórico: talvez o "blend", rico de sabor, fosse mais apropriado ao prato de carne, enquanto o monocasta poderia ligar melhor com a sobremesa. A casta Tannat está aqui muito bem trabalhada, mas, como todos os monocastas (talvez à excepção da Touriga Nacional, quando ela é aproveitada em toda a sua potencialidade), arrisca-se a ficar limitado no copo. É uma experiência que farei em casa quando tiver os dois vinhos, que já encomendei. Ou no Recanto, se estes vinhos figurarem na sua carta.
Barca do Inferno Tannat e Criatura: dois tintos exemplares |
A estreia destes jantares vínicos do Recanto foi auspiciosa e, com ela, o seu responsável, Marco Roque, começou também a mostrar o que a Região Oeste tem de melhor no domínio dos vinhos. Que venham mais, e tão bons como os da Garrocha!
Um exemplo a seguir |
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