segunda-feira, 1 de março de 2021

Harro e Libertas: uma lição de vida, uma lição de literatura



Harro Schulze-Boysen (2.09.1909 - 22.12.1942) era um jovem de uma família da aristocracia militar alemã, nacionalista, polemista e com o gosto pela política. Um raide das SA ao jornal que dirigia levou-o à prisão, tendo sido torturado. A revolta que sentiu e a vontade de intervir contra o novo poder nacional-socialista levaram-no a um curso de formação militar e a um posto de confiança no Ministério da Aviação. E foi a partir daí que criou uma rede informal de resistência.
Libertas Haas-Heye (20.11.1913 - 22.12.1942), Schulze-Boysen pelo casamento com Harro, provinha da de uma família nobre da aristocracia rural alemã. Chegou a inscrever-se no NSDAP (o partido nazi, Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), trabalho como assessora de imprensa na delegação de Berlim da Metro-Goldwyn-Mayer, quis tentar o jornalismo e a fotografia. E ajudou Harro a dirigir a sua rede de resistência.
Harro e Libertas foram assassinados em 22 de Dezembro de 1942 pelo poder nazi, depois de terem sido capturados pelas autoridades, bem como grande parte dos seus amigos que formaram essa rede, graças a uma série de disparates dos serviços secretos da União Soviética, numa colaboração que não chegou a ter efeitos práticos e que gerou a lenda da "Orquestra Vermelha".
A história de Harro e Libertas é agora contada por Norman Ohler, o jornalista e romancista alemão que já descrevera a dependência do regime nazi das drogas (em "Delírio Total", Vogais/20|20) num relato de tirar o fôlego, em "Os Infiltrados" (Vogais, acabado de publicar). 
"Harro und Libertas", no título original, é, na descrição das figuras ímpares e humanamente contraditórias dos dois jovens e do que fizeram, de como quiseram viver e de como foram mortos, um relato comovente, uma construção literária minuciosa e empolgante. Enquadrada (na linha do que o autor já fizera em "Delírio Total") numa descrição da sociedade alemã da época, das suas tendências, do seu quotidiano.
A Alemanha, um grande país com uma história complexa, é muitas vezes retratada pela superficialidade das guerras e das aparências políticas. Mas a realidade é muito mais vasta e muito mais rica. 
Norman Ohler, que estudou bem todos os elementos documentais, é um cronista extraordinário do seu quotidiano nas décadas de 1930 e 1940 e "Os Infiltrados" (que tive a oportunidade de traduzir, tal como "Delírio Total") é uma lição de vida e uma lição de literatura e uma obra soberba.


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