sábado, 9 de julho de 2022

Conto do vigário académico


Recebi ontem um e-mail curioso proveniente do que me parece ser uma publicação brasileira dirigida a professores e universitários com o nome de "Brazilian Journal of Development" ("BMJ"), onde me era proposta a publicação de um texto que, em Outubro de 2019, apresentei como comunicação ao I Congresso Nacional de Angolanística (cujas actas, com este texto e todos os outros, podem ser consultadas aqui.

Intitulado “O general Mapache e o hacker Maxim Djalma", o  meu texto referia-se a duas personagens de nacionalidade angolana presentes em três dos meus romances, aludindo à falta de conhecimento que existe em Portugal sobre muitas realidades angolanas que transcendem a economia (e que a Angola Research Network, promotora dos dois congressos de angolanística já realizados, tem procurado dar a conhecer. 

No e-mail, subscrito por uma Sophia Guerra, "assistente editorial", que me oferecia "Um grande abraço!", garantia-se que "o critério de seleção de seu artigo, que já foi analisado e considerado como aprovado pelo nosso conselho editorial, baseou-se na relevância do seu trabalho e na contribuição que ele tem no campo de estudo abordado".

E a publicação seria paga, já agora? Não. 

Na realidade, se eu quisesse que o texto fosse publicado, eu é que teria de pagar, como me era dito com algum descaramento: 

"Para a publicação de seu artigo cientifico, solicita-se a contribuição financeira única de R$ 590,00 [cerca de 110€]. Essa taxa é destinada aos custos de diagramação, formatação, registro do DOI e manutenção da revista. Em caso positivo, é só responder esse e-mail informando que aceita publicar com a BJD e informar qual a melhor forma de pagamento: depósito bancário, transferência, PIX ou Paypal (cartão de crédito)." 

A minha resposta foi, na íntegra, esta:

Exma. Senhora,

1 - O texto a que se refere faz parte do património do I Congresso Internacional de Angolanística, e foi escrito para ser aí apresentado, como foi, em Outubro de 2019. Nessa perspectiva, a solicitação devia ser feita aos seus promotores (a Angola Research Network), com conhecimento ao autor.

2 - O autor, pelo seu lado, nada teria a opor à publicação. 

3 - Quanto à publicação, e por o texto fazer parte do património da Angola Research Network, o autor até poderia prescindir do eventual pagamento que viesse a ser proposto pelo Brazilian Journal of Development, condição que seria, naturalmente, imprescindível.

4 - Estranhando não ver referência ao pagamento dessa colaboração no e-mail que me enviou, fiquei surpreendido (e devo dizer: muito desagradavelmente surpreendido) por a solicitação vir acompanhada do pedido de pagamento dirigido à minha pessoa para que o texto fosse publicado pelo Brazilian Journal of Development.

5 - O que me é oferecido (as apreciações, a divulgação, etc.) em troca de uma resposta positiva e do dito pagamento é-me completamente indiferente. 

6 - Ao longo da minha carreira (como autor de matérias de ficção e de não-ficção) nunca paguei a ninguém para ter um texto meu (artigo, conto ou romance) publicado e nunca o farei, por uma questão de princípio.

7 - Assim sendo, considero a solicitação que me envia uma mercantilização indevida que não posso, por motivo algum, aceitar. Aliás, ao ver-me como destinatário de uma coisa assim, declaro-me mesmo ofendido.

8 - Por isso, e mesmo que o Brazilian Journal of Development quisesse publicar o meu texto noutras circunstâncias, declaro - e com conhecimento à Angola Research Network - que essa publicação fica, em absoluto, interditada.

Não tive resposta.




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