As obras públicas feitas no ano em que há eleições autárquicas depois de três anos de utilidade, são um dos mais nojentos exemplos da demagogia e da desonestidade políticas. É o que acontece neste caso que aqui relato.
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Vamos aos factos, começando pelas obras e pelo exemplo bem em concreto da Serra do Bouro, uma ex-freguesia rural de Caldas da Rainha que foi absorvida por uma freguesia urbana da capital do concelho.
As eleições autárquicas realizaram-se em 1 de Outubro de 2017 (há três anos) e, para a União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro, foi eleito um conjunto de militantes do PSD, onde existiam um presidente novo e dois ex-presidentes da mesma junta. Ninguém deste grupo poderia dizer que não conhecia a situação da circulação rodoviária e pedestre da Serra do Bouro.
Antes das eleições, o mesmo grupo anunciou uma espécie de programa eleitoral que, convenientemente, não se consegue hoje encontrar. Nessa altura fiz aqui um comentário, para o qual remeto os leitores e de onde convém reter um dos aspectos mais significativos: "revisão geral de todos os caminhos agrícolas e florestais e criação de percursos pedonais, aproveitando antigos caminhos rurais". E mais significativos, apenas, porque nada foi feito. Passear em contacto com a natureza não dá votos, até porque são estrangeiros quase todo os que saem a passar-se, a si e ao cão.
Já nessa altura era bem visível o estado de degradação dos pisos da generalidade das ruas (?) da Serra do Bouro. Se, por acaso, o novel candidato andou pela freguesia, há de ter notado. Se não o sabia, os tais dois ex-presidentes podiam ter-lhe dito. E para um cruzamento de vários acidentes já se sabia que fazia falta uma rotunda.
Passou o ano de 2017, passou o de 2018 e chegamos a 2019, ano em que a Câmara Municipal de Caldas da Rainha lançou um concurso público para "Repavimentação de Vias na Zona Poente / 2018 (Salir do Porto, Serra do Bouro, Tornada, Nadadouro e Foz do Arelho - Lote 2". Numa coincidência deveras estranha, ganhou uma empresa de construção que, no mínimo, se pode considerar pouco competente. (Os pormenores conto-os eu aqui.) O contrato para a realização das obras, com a empresa Cimalha, foi assinado em 28 de Outubro de 2019 e valeu a esta empresa o valor de 304 793.45€.
O ano de 2019 chegou ao fim. Entre Novembro e Março de 2013, quando o País entrou no confinamento, passaram quatro meses. Em Maio foram retomadas as obras públicas e particulares. De Maio até Setembro passaram quatro meses.
Foi só neste mês (Setembro de 2020) que apareceram na Serra do Bouro as máquinas da Cimalha. Ou seja, três anos depois.
Cá está o paradigma: durante três anos não se mexeu em nada, não houve obras, houve só remendos. Mas, a um ano das novas eleições, já se fazem as obras.
A concepção é sempre a mesma: os eleitores beneficiam dos melhoramentos a tempo de não se esquecerem de quem os fez, para irem votar neles. As estradas estavam degradadas em 1 de Outubro de 2017. Ninguém quis mandar arranjá-las. Fazê-lo beneficiaria os residentes, mas não garantiria os votos que iam ser necessários.
Na prática, estas obras para pouco mais servem do que para "encher o olho". As ruas ganharam uma camada nova de alcatrão. Mas as bermas são de terra e pedras e não se sabe o que dali sairá. Passeios, que se perceba, é coisa ausente. Quem quiser andar a pé tem de estar sempre atento ao trânsito. Não há muitos carros, mas há quem passe com mais velocidade. Não surpreende: é a mentalidade desta gente. As freguesias do interior são só sítios por onde se passa.
Na perspectiva dos políticos, talvez já chegue. Ou, como antes se dizia quando o bacalhau era barato e pouco considerado, "para quem é, bacalhau basta". Os eleitores que podem circular nestas ruas devem contentar-se com o que lhes deram e não precisam de mais. São, aliás, um eleitorado fiel, dando sempre os seus votos ao PSD local, sem variações sugestivas nos resultados.
Por outro lado, quando o poder faz obras quase em cima das épocas eleitorais que podem, pelo menos na aparência, beneficiar da satisfação do seu eleitorado, está com isso a garantir o conforto que o eleitorado lhe dá. Por pouco que seja, e por incompleto que seja, o que os políticos no poder oferecem é uma maneira de, com os votos que ganham, poderem continuar numa posição em que obtêm ganhos de valorização pessoal em vários domínios.
Será raro o político que diz que quer ocupar um cargo por dele retirar vantagens. Não se é sincero a esse ponto. Mas pode haver políticos que estejam genuinamente empenhados em servir o seu eleitorado, sem pensarem nas vantagens que obtêm.
Nesta situação concreta, que aqui descrevi, se os políticos que aqui intervêm estivessem genuinamente empenhados em servir o seu eleitorado, sem pensarem nas vantagens que obtêm, as estradas já estavam mais do que arranjadas. E a rotunda já estaria a evitar acidentes há muitos anos. E eles não deixariam de ter votos.
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