No seu mal amanhado e apenas esboçado "plano de apoio" à imprensa, ou às empresas titulares de órgãos de imprensa, melhor dito, o Governo anuncia quatro intenções que comvém ver em pormenor e de que só se aproveita a que se refere à RTP.
Comecemos pela televisão que todos nós andamos a pagar:
Apesar de sustentada pelos nossos impostos, a RTP tem sido sempre serviço mais "privado" do que "público", vivendo (no que nos diz respeito) de um imposto escondido que tem a designação cínica de "Contribuição audiovisual". É uma situação eticamente incompatível com a existência de publicidade comercial e com o pendor comercial que predominam nas suas emissões televisivas e com o que parece ser o luxo em que muitos sectores da empresa vão vivendo.
Esta intenção de acabar com a publicidade comercial, que depois veremos se será concretizada, é a única coisa que se aproveita do "plano de apoio".
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Vamos a outro ponto do "plano": um "estudo".
É típico da política nacional: quando, tendo ou não qualquer perspectiva, um governo quer fazer qualquer coisa que pode ser mais polémica ou temporalmente inconveniente, anuncia um "estudo". Acho que esse estudo (a que se juntará ainda outro, anunciado como "Livro Branco") nunca existirá, ou, a existir, só terá interesse durante alguns dias, no decurso da sua curta vida nas instâncias mediáticas.
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E vamos à parte mais substantativa: o dinheiro. Veja-se a formulação, baça e pouco esclarecedora, antes do comentário:
Os termos são (propositadamente?) imprecisos. O Governo anuncia dinheiro, na sua lógica distributiva, e pensa que basta. A ideia que terá dos profissionais do sector é capaz de ser mazinha: tomem lá uns dinheirinhos e contentem-se.
Mas o postulado é, todo ele, impreciso, tanto no que se refere à "contratação" de jornalistas como no que se refere à "retenção de talento" ("talento"?!). Não se sabe quanto tempo durará o "incentivo", quais os critérios profissionais ou curriculares para a contratação, quantas contratações serão apoiadas. E nisto cabe tudo. As empresas beneficiadas vão estabelecer os seus próprios critérios de contratação? Integrarão um, ou outro, dos estagiários que exploram? Vão procurar profissionais competentes ou simples militantes de opinião politicamente alinhados? Aceitarão sugestões de quem lhes paga o "incentivo"?
É tudo demasiado nebuloso e não devia ser. Mas, sendo, só confirma que este "plano" servirá para limitar a imprensa de que o Governo não gosta e favorece as empresas e os jornalistas que o tratarem bem.
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Atente-se, agora, na salada que se segue, relativamente a outros "apoios":
A intenção da "contratação do primeiro jonalista" é pouco
clara, mas não pode deixar de ser traduzida em mais dinheiro para as empresas.
Tal como no ponto anterior, em matéria de critérios, temos de novo uma total
ausência de pormenores. Ao abrigo destes postulados, qualquer empresa do sector
poderá contratar amigos, afilhados, colegas de partido ou seja lá quem for. E
sem controlo algum, o que é, além do mais, chocante, porque o que está em causa
é a utilização de dinheiros públicos.
O "Plano de Ação para a Segurança dos Jornalistas" serve para quê? E qual é a "segurança"? É segurança física ou económica? E por que carga de água é que os jornalistas merecem que o Governo se ocupe da sua "segurança" e as outras profissões (que também não têm os suplementos da função pública) não?
O anúncio da "formação para jornalistas" é vago. Qual é a sua intenção? Qual é a modalidade? Não são já os jornalistas, enquanto carreira, formados, ou seja, possuidores de formação superior? Ou o Governo considera que essa formação é tão débil, que quer "formá-los" ainda mais? Ou a "formação" que quer oferecer é o controlo do que pensam e do que escrevem?
E, finalmente, o que já disse sobre os "estudos" justifica ainda que repita a dúvida: para que raio é considerado necessário um "Livro Branco sobre a Inteligência Artificial aplicada ao jornalismo"?! De que é que o Governo tem medo? Porque é que tem de ser o Governo a meter-se na relação entre a Inteligência Artificial e o jornalismo?!