Em Abril do ano passado, quando me preparava para traduzir o meu primeiro livro em castelhano ("Vida, la gran historia", que saiu agora), recebi uma mensagem inquietante da editora (Temas e Debates): a data de entrega da tradução era atrasada em dois meses. A mensagem, em termos muito correctos, explicava-se pela crise sanitária: o País ficava fechado à pala da pandemia e esta editora, como tantas outras, não ia lançar mais livros no mercado sem saber se os conseguiria vender.
Estando a traduzir ininterruptamente desde há quase dez anos, com intervalos apenas para os meus próprios livros, fiquei com a agenda preocupantemente livre. E foi nessa altura que revisitei um pensamento que às vezes me assaltava: não estando a escrever histórias (por motivos a que já aqui aludi, por exemplo), nunca deixei de registar, da maneira mais informal que é possível, ideias que podiam ser desenvolvidas em histórias; e, havendo uma quebra no fluxo de traduções, não poderia regressar à escrita?
Se o fizesse, regressaria aos "policiais", sem testar sequer outros potenciais projectos? Nunca deixei de pensar que, se me pusesse a escrever porcarias como "thrillers" clericais ou históricos ou "porno para mamãs", ganharia dinheiro. Até porque ficariam bem escritos. O pior seria arranjar coragem para meter a mão em géneros que, para mim, são absolutamente desprezíveis.
A seguir, fiz uma pergunta simples como ponto de partida: será que ainda consigo escrever uma história? E teria de ser uma das tais, um "thriller", dos que realmente gosto de escrever. O último livro, o 10.º, datava de há seis anos ("Morte nas Trevas") e, não se vislumbrando a adaptação cinematográfica prevista, a continuação dessa série ficou posta em sossego.
Havia, portanto, um desafio sugestivo, ou uma experiência. E, optando por esse rumo, fui a aspectos do dia-a-dia. Um era, e é, o das casas antigas que existem na zona de campo (ou rural) em que vivo, e a outra a do isolamento natural desta zona.
Como muitas outras pessoas, passeio os meus cães, em geral, duas vezes por dia, em percursos que por aqui que podem chegar aos quarenta minutos. Não há muito a fazer quando se passeiam dois cães (e, às vezes, têm de ir os dois pela trela) sozinho, a não ser ver e pensar... e controlá-los.
As ruínas das casas antigas levaram-me a pensar numa ideia de base para uma história: e se alguém escondesse alguma coisa, que no mínimo fosse embaraçosa, numa dessas casas e depois a reconstruísse e a vendesse... ou se optasse, por de uma maneira ou outra, lá ter alguém a morar e em quem pudesse confiar para guardar esse segredo? Há aqui casas que têm sido reabilitadas por compradores estrangeiros. Este quadro abriria uma história, que abordasse este aspecto, a personagens de outros países.
Não admira, por isso, que o espaço físico de uma casa acabe por ser quase um protagonista nesta história, o que também fez com que, a certa altura, "O Último Refúgio" se intitulasse "A Casa do Fim do Mundo" ou, mesmo, porque também gostei do som deste título, "The Twilight House". E essa casa, o último refúgio de James Castello (o "herói"), situa-se realmente sobre uma praia quase selvagem, a alguns quilómetros a norte: a praia do Salgado, transformada em Praia das Bruxas, talvez por inspiração de Shakespeare e do seu "Macbeth".
Uma casa reconstruída, um segredo, uma praia isolada... e um homem quase sozinho no mundo. Do isolamento como "leit motiv" falarei a seguir.
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