quinta-feira, 18 de julho de 2019

Ciganos



O grupo era, tanto quanto me recordo, composto por um homem mais velho de barba e que parecia ser o líder e por dois mais novos, talvez pai e filho. Havia duas mulheres, uma mulher mais jovem e numerosas crianças.
Instalaram-se em duas mesas corridas de um restaurante ainda em começo de vida e mandaram vir, pelo menos, duas doses e depois uma terceira de um prato de mariscos que é servido numa travessa enorme com uma grande variedade.
Os pratos demoraram um tempo razoável a sair e o grupo esteve a comer e a beber até se concentrar, depois, no que pedira. É normal, é o que toda a gente faz.
Mas a “normalidade” pára no que se refere às crianças. Com menos paciência para esperarem, foram também petiscando… e começando a deixar cair e a atirar coisas, e comida, para o chão. Guardanapos, talheres, pão… À volta da mesa começou a formar-se um verdadeiro campo de destroços.
E os adultos, perguntará o leitor, como é que intervieram? Não intervieram.
Eu já vi, em restaurantes, crianças a berrarm, a querem subir para cima da mesa, com fúrias e recusas em comerem. E a deixarem cair coisas, ou a atirá-las, para o chão. Mas sempre vi os adultos a a reagirem e a tentarem meter a miudagem na ordem. A indiferença, como nessa noite, é que nunca tinha visto.
O grupo acabou de comer, pagou e foi-se embora. Normalmente. Só que ninguém apanhou fosse o que fosse. E ninguém pediu desculpa aos pessoal do restaurante. O cenário que deixaram foi lamentável e o desconforto que todos os restantes clientes, e o pessoal do restaurante, sentiram pareceu-me unânime.
O grupo era cigano. Durante o período de mais de uma hora em que o espectáculo foi decorrendo, foi impossível não deixar de reparar no que ia acontecendo e nas características étnicas e sociais dos seus membros.
Ao longo da minha vida de espectador de birras infantis (dos filhos dos outros) em restaurantes, não tenho memória das características raciais dos respetivos pais e adultos acompanhantes. Porque o comportamento das crianças não foi além do “normal” e, na maior parte dos casos, terá sido reprimido e corrigido, no todo ou em parte. Os desmandos nunca prenderam tanto a minha atenção.
Mas o que vi naquele restaurante foi completamente inédito: a indiferença dos adultos perante o que as crianças iam atirando para o chão.
Os leitores mais sensíveis poderão dizer que não é por a família ser cigana que a coisa aconteceu. E poderão não inferir daí outros comportamentos (também o farão onde vivem, atirando tudo para o chão?). E, tendo razão, não podem evitar o facto: uma família cigana que, num restaurante, deixou as crianças atirar tudo (e comida, também) para o chão em absoluta indiferença.
Quando eu descrevo o que aconteceu, num órgão de imprensa (como neste caso) ou num livro, tenho de ser realista e descrever a situação com um mínimo de pormenores. E esses incluem a própria condição étnica da família. O modo como atraíram as atenções dos restantes clientes levou ao seu escrutínio. Era impossível não reparar.
E o facto de eu escrever isto é racismo? Não. Racismo seria eu concluir que os filhos pequenos dos ciganos se caracterizam por atirarem comida para o chão, sem apanharem o que caiu. E não foi isso que eu escrevi. Referi-me a uma ocorrência em concreto, que recordo sempre que vou àquele restaurante, de que gosto muito.
Hoje em dia, infelizmente, o relato jornalístico omite, intencionalmente, a etnia, sobretudo quando os comportamentos são contrários ao padrão social. Com isso, misturando a ingenuidade com o militantismo tonto, faz de conta que está a ser anti-racista. E não está, está é a esconder a realidade.
En Fevereiro do ano passado, um hospital da segunda maior cidade portuguesa foi assaltada por um grupo familiar por qualquer motivo relacionado com o atendimento de um membro da família. Os invasores agrediram enfermeiros, fizeram alguns desmandos e foram-se embora. As notícias sobre este caso nunca contiveram qualquer referência à etnia da família… até ao momento em que, dias depois, o líder da comunidade cigana portuguesa pediu desculpas publicamente pelo que acontecera. E nessa altura, milagre dos milagres, revelou-se a etnia dos assaltantes: eram ciganos. Afinal, já podiam ser!
É pela omissão, garante quem ainda gosta da censura à informação que se combate o racismo. Mas não é. A censura nunca combateu nada eficazmente. Pelo contrário, só suscitou o desejo de ser combatida.

(Publicado no Portugal Digital)

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