Já tinha considerado a hipótese de ver "Deadwood" (a série criada por David Milch, de "A Balada de Hill Street", para a HBO em 2004) mas guardei sempre algumas reservas: passada em 1876, na época da "conquista do Oeste", pareceu-me vagamente que não passaria de um "western" televisivo de reduzido interesse. Mas a falta de outras séries e algumas recomendações convenceram-me e vi "Deadwood".
E percebi, agora que cheguei ao fim, que esta série, estupidamente cancelada como "Roma" pela agora tão inovadora HBO, é, em tudo, uma das mais espantosas criações televisivas que vi.
É uma crónica do começo dos novos tempos da democracia na América, um mosaico de personagens inesquecíveis e tão complexas como o são as pessoas da vida real, com várias histórias encadeadas e todas elas contadas com o tempo que só a televisão concede.
Em três temporadas de 36 episódios, num total de 1820 minutos, vê-se sem uma quebra de ritmo e deixa para a posteridade uma personagem única e não apenas pela profusão de "fucking" com que anima os seus discursos de uma riqueza quase literária: Albert Swearengen (numa interpretação admirável de Ian McShane) é um "mau" contraditório, letrado, capaz de compaixão mas também de uma cobardia revoltante, que acaba por ser o autor da evolução política, social e económica que transforma a comunidade mineira informal em futura cidade.
Al Swearengen (Ian McShane), o campeão dos "fucking" televisivos |
Mas "Deadwood" acabou de repente ao fim da terceira temporada sem que as várias histórias chegassem ao fim.
A quebra de audiências (e os extraordinários diálogos devem ter afastado muitos espectadores) terá ditado o seu fim e David Milch não aceitou um simples prolongamento para acabar o que ficara a meio. Ficou assim uma obra de certo modo incompleta mas, de qualquer forma, magistral.
Sobre o seu fim abrupto, que não permitiu nem o castigo do pior "mau" de todos (o magnata George Hearst) nem a redenção do acto de cobardia de Swearengen, só se pode dizer uma coisa verdadeiramente adequada: "Fuck!"
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