quarta-feira, 21 de junho de 2023

“Quem não é por nós é contra nós”: como o pensamento único dominou a pandemia e domina a crise ucraniana


Não sei como aqui chegámos, mas sei quando chegámos: em Março de 2020. Três anos depois, a situação agravou-se. E não há solução à vista.

"Quem não é por nós é contra nós" foi, em termos práticos, o princípio adoptado pelos governos, quase unanimemente, para lidar com a mais sobrevalorizada de todas as epidemias que afectaram a humanidade: a do vírus SARS-CoV-2/doença covid-19. 

Três anos depois, e apesar da insistência dos saudosistas do palco mediático e dos avençados das farmacêuticos, percebe-se com toda a clareza que o alarme, à escala que foi, não se justificava. A epidemia evoluiu, muito naturalmente, para pandemia e depois para endemia e o vírus e a sua doença fazem hoje parte do património clínico da humanidade.

Numa perspectiva benévola, podemos pensar que tudo nasceu com o dramatismo encenado pelas autoridades chinesas e com a tentativa de a Organização Mundial de Saúde querer recuperar a capacidade perdida que revelara em pandemias anteriores, em modo "antes a mais do que a menos"). Numa perspectiva menos benévola, podemos pensar que a indústria farmacêutica viu nesta pandemia uma oportunidade de ouro: vender vacinas à escala mundial, com lucros à mesma escala. 


Os quatro pilares


O modelo em que se cristalizou a imposição prática do princípio de "Quem não é por nós é contra nós" nasceu assim: os políticos, acobardados perante o eleitorado, foram buscar técnicos e cientistas de discurso catastrofista (a pandemia era o Apocalipse que aí vinha...) que sustentassem, na sua qualidade de "especialistas", as políticas repressivas que queriam impor. Os confinamentos, as mordaças (além da negregada máscara clínica), a suspensão da democracia e dos direitos civis... tudo lhes serviu para tentarem conter um vírus com o mesmo rigor de quem tenta conter moscas com uma rede de capoeira. 

Aos políticos, montados nos "especialistas", juntaram-se os beneficiários líquidos das restrições (além dos fabricantes das vacinas, os importadores e fabricantes nacionais de máscaras e álcool-gel e outros dispositivos) e, num volte-face de vergonha, a imprensa. Jornalistas (?) e outros conseguiram ser mais restritivos e ocultar, silenciar e insultar as opiniões divergentes. E as realidades que não lhes convinham: veja-se como a Suécia, onde não vigorou o fascismo sanitário da maioria dos restantes países, desapareceu das notícias durante meses a fio.

Este procedimento assentou em quatro pilares:

1. O mundo só começa quando uma autoridade superior, nacional ou internacional, intervém - Nada existe até esse momento, não há particularidades, contextos ou evoluções históricas. Há um momento a partir do qual se impõem regras, que nada têm a ver com a democracia, e o que aconteceu antes deixa de ser considerado.

2. Há um só discurso, há um só pensamento - Não se pode pensar, dizer ou escrever alguma coisa que vá contra as normas vigentes. Não se podem expressar dúvidas porque as normas têm uma abrangência quase sobrenatural e nelas estão todas as soluções para o mal do momento. O que é imposto pelas normas tem de ser seguido custe o que custar, sejam quais forem os danos para a pessoa ou para a sociedade, porque é nelas que está a salvação. E quem o contesta pode ser livremente insultado.

3. Há uma autoridade superior articulada que tudo comanda - Os "especialistas" dizem ao Governo o que tem de fazer, estando suspensa a democracia; o Governo decreta o que lhe é proposto por esses "especialistas"; os dirigentes políticos (todos eles, os do Governo e das oposições, numa fase inicial) estão de acordo; a imprensa (que recebe dinheiro do Governo) reproduz, e dá-lhes ênfase, as regras definidas de cima. [Vale a pena recordar aqui como o professor de Direito e jurista Marcelo Rebelo de Sousa, que nunca usaria opiniões anónimas nos seus pareceres e na sua doutrina, ter invocado oficialmente "especialistas" sem nome numa sua nota de Presidente da República para insistir nos confinamentos.]

4. O que vale num dia vale para sempre - A realidade não muda. O "fica em casa" era apoiado pela falsa calendarização dos "quinze dias para achatar a curva". A realidade só poderia mudar quando os "especialistas" o decretassem. Mas os "especialistas" oficiais, claro, porque os outros continuavam a ser silenciados. 

 

A crise ucraniana


Se olharmos agora para a crise ucraniana, vemos que o modelo é exactamente o mesmo.

O mundo começa, neste capítulo, apenas em Fevereiro de 2022. Não há História anterior, não há antecedentes, não há contexto, não há outras particularidades.

A "invasão"/"operação militar especial" da Federação Russa não teve justificação, nem foi objecto de aviso, nem decorreu num contexto em que a presença militar da NATO e dos seus principais países já estavam na Ucrânia, vista sempre como um território único e sem diferenças internas.

A partir daí vigorou, de imediato, o modelo dos quatro pilares:

1. O mundo só começa quando uma autoridade superior, nacional ou internacional, intervém - A origem da crise, ou da "guerra", está na "invasão"/"operação militar especial". Não havia um único problema, antes.

2. Há um só discurso, há um só pensamento - Da liderança política da União Europeia aos políticos da oposição, com excepções marginais, ninguém põe em causa o discurso da "invasão" e tudo se subordina a ele. Ninguém o deve fazer. Porque, onde não são silenciados, os que têm opiniões contrárias são insultados. É o exemplo mais claro do "quem não é por nós é contra nós". A informação publicada é só a de uma das partes (o governo de Kiev). A outra parte é silenciada ou censurada. Basta ver a imprensa nacional para perceber como o ponto de vista da Federação Russa é ignorado. 

3. Há uma autoridade superior articulada que tudo comanda - O actual presidente dos EUA, a NATO, os governos da União Europeia, os "think tanks" e os "especialistas" dizem como tem de ser. Não há contraditório ao mesmo nível.

4. O que vale num dia vale para sempre - Cessar-fogo com negociações? Não podia ser, em Fevereiro ou em Março de 2022, enquanto os russos não parassem a sua invasão e mesmo enquanto ainda dominavam pouco terreno. Cessar-fogo, agora? Não pode ser enquanto os russos não se retirarem. Não interessam as vidas perdidas e tudo o que foi e está a ser destruído, porque só é possível iniciar negociações depois. Mas os como os russos, obviamente, não desistem... não pode haver negociações.


A repressão policial


A afirmação do pensamento único ao nível do Estado implica uma decisão coerente: é preciso impô-lo por via da repressão, mais ou menos suave. Ou mesmo policial.

Se regressarmos à época dos confinamentos, podemos ver como agentes da PSP e da GNR castigaram com multas pessoas que, mesmo involuntariamente, desobedeceram às regras impostas, mesmo quando o fizeram sem dolo.

Foi um idoso multado por se sentar num banco (esses perigosos instrumentos de transmissão do vírus...). Foi uma mulher multada por estar a comer, isoladamente, no seu carro. Foram as pessoas que, nas praias, eram obrigadas a estar em movimento, sendo dissuadidas de estarem paradas, ou sentadas... porque, por motivos que ninguém quis, ou conseguiu, explicar, o vírus só afectavas as pessoas imóveis.


A repressão na época dos confinamentos


O Estado repressivo nunca desiste. Há sempre mais um instrumento para pôr as pessoas a cumprir as regras, por mais absurdas ou ilegais que sejam. E o mecanismo de protecção da sociedade que é a fiscalização da constitucionalidade das leis funciona de modo tardio.

E se foi o que foi, na época dourada do fascismo sanitário, como será se a crise ucraniana se agudizar ainda mais e as lideranças políticas da União Europeia, por exemplo, começarem a limitar o direito que os cidadãos da União Europeia têm de se expressarem livremente.

Quando se acabarem o dinheiros e as armas que os políticos ocidentais têm oferecido ao governo de Kiev, o que irá a seguir? Pessoas, para combaterem no teatro de operações? De Portugal, de França, de Espanha... de todos os países da União Europeia?

E se não quisermos que isso aconteça? Teremos as autoridades policiais a limitarem as nossas opiniões sobre o assunto?

O pensamento único, agora como doutrina não oficial dos Estados do Ocidente, recorrerá à força das armas para se impor e silenciar quem pensa de maneira diferente? É que esses, como "quem não é por nós é contra nós", serão também os inimigos de quem manda.


Sem comentários: