domingo, 11 de junho de 2023

De quem é a culpa?

Há uma tese, que me parece bastante ajustada, segundo a qual a dificuldade da população escolarizada em lidar com a matemática e a generalidade das "ciências exactas" tem a ver com a formação dos professores do 1.º ciclo do ensino básico (a antiga "primária"): os alunos dos cursos de formação de professores, por opção própria ou por dificuldades conjunturais, tinham rejeitado a matemática. Não a aprendiam no curso superior que frequentavam e não precisavam de a ensinar quando iam dar aulas. As minudências da matemática ficavam reservadas para o restante ensino básico, com professores por áreas. Ou seja: o mal estava feito de raiz.

Mas isso é a matemática e, por necessária que seja (mesmo a nível do raciocínio), há sempre máquinas de calcular por todo o lado e de uso imediato, no computador e no telemóvel.

E quanto à escrita? O problema é mais complexo e talvez fosse útil um novo estudo sobre a literacia (como o que foi feito pela socióloga Ana Benavente e outros colegas seus em 1994) para termos uma noção mais realista do que se passa. Mas talvez não seja exagerado dizer que a situação deve ser catastrófica e que, em termos práticos, a população não sabe escrever.

A culpa será dos professores, mais recentes e menos recentes? Ou dos programas escolares? Ou do predomínio da comunicação digital? Ou da ausência do contacto directo com a escrita mais escorreita (e mais correcta), que só os livros (a começar pela ficção) oferecem? 

Ou da familiaridade acrítica com línguas quase predominantes, como o inglês, o português do Brasil e o português de África? Ou do desaparecimento dos revisores?

O exemplo mais significativa, e mais medonho, desta verdadeira incompetência de escrita está hoje visível (legível e audível) na comunicação social, na imprensa escrita e falada.

Quem hoje escreve coisas na melancólica imprensa que temos (e não, não consigo, de boa fé, chamar-lhes jornalistas...) não sabe escrever português. Das legendas aos destaques dos telejornais, das notícias escritas às intervenções orais, o panorama oferece, diariamente, exemplos que cheguem. 

Tomemos dois exemplos, daqueles de bradar aos céus. O primeiro é da CNNPortugal:



Não consigo, naturalmente, fornecer uma explicação para este "fazer questões" da CNN tuga que deverá supor-se, com boa vontade, que quer dizer "fazer perguntas". 

Mas é provável que venha directamente de um mau conhecimento da língua inglesa e do seu "make questions". E digo que o conhecimento é mau porque o bom conhecimento de uma língua estrangeira pressupõe o bom conhecimento da própria língua. E é facto que esta gente não conhece a língua portuguesa.

E, a propósito, registemos um esclarecimento do meritório Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que é de 16 de Junho de 2006:





Um outro aspecto é a utilização caótica das vírgulas e, muito em especial, nos títulos. Na maior parte das vezes não existem... mas dá vontade de dizer que, quando existem, são mal postas.

Como aqui, no jornal on line "Eco": a vírgula separa as duas componentes da frase. E o título dá-nos duas frases distintas. Uma é "Nas ondas", o que nada significa. E a outra é "existe energia suficiente para abastecer o mundo". Existe, pois, mas onde?... 




Não sei como é que se resolve o conflito, óbvio, entre quem escreve na imprensa e a língua em que devem expressar-se. 

Mas sei como eu fazia enquanto fui tradutor profissional e quando escrevo, seja lá o que for (histórias, neste blogue, no Facebook, até mensagens privadas): consultava, e consulto, dicionários (dois, em geral) e o Cíberdúvidas. Pelo menos. Apesar de, no caso dos livros, contar com o trabalho de revisores e de editores para que os textos que saíssem das minhas mãos estivessem em harmonia com a língua portuguesa.

Se as secções de revisão desapareceram da medíocre imprensa nacional, os profissionais, ou os que o querem ser, podiam esforçar-se, individualmente, para serem melhores. Ou nem isso. Talvez devessem esforçar-se para serem apenas bons. Ou não querem? Ou também haverá alguém a quem culpar pela falta de vontade de o serem?...


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