Há uma tese, que me parece bastante ajustada, segundo a qual a dificuldade da população escolarizada em lidar com a matemática e a generalidade das "ciências exactas" tem a ver com a formação dos professores do 1.º ciclo do ensino básico (a antiga "primária"): os alunos dos cursos de formação de professores, por opção própria ou por dificuldades conjunturais, tinham rejeitado a matemática. Não a aprendiam no curso superior que frequentavam e não precisavam de a ensinar quando iam dar aulas. As minudências da matemática ficavam reservadas para o restante ensino básico, com professores por áreas. Ou seja: o mal estava feito de raiz.
Mas isso é a matemática e, por necessária que seja (mesmo a nível do raciocínio), há sempre máquinas de calcular por todo o lado e de uso imediato, no computador e no telemóvel.
E quanto à escrita? O problema é mais complexo e talvez fosse útil um novo estudo sobre a literacia (como o que foi feito pela socióloga Ana Benavente e outros colegas seus em 1994) para termos uma noção mais realista do que se passa. Mas talvez não seja exagerado dizer que a situação deve ser catastrófica e que, em termos práticos, a população não sabe escrever.
A culpa será dos professores, mais recentes e menos recentes? Ou dos programas escolares? Ou do predomínio da comunicação digital? Ou da ausência do contacto directo com a escrita mais escorreita (e mais correcta), que só os livros (a começar pela ficção) oferecem?
Ou da familiaridade acrítica com línguas quase predominantes, como o inglês, o português do Brasil e o português de África? Ou do desaparecimento dos revisores?
O exemplo mais significativa, e mais medonho, desta verdadeira incompetência de escrita está hoje visível (legível e audível) na comunicação social, na imprensa escrita e falada.
Quem hoje escreve coisas na melancólica imprensa que temos (e não, não consigo, de boa fé, chamar-lhes jornalistas...) não sabe escrever português. Das legendas aos destaques dos telejornais, das notícias escritas às intervenções orais, o panorama oferece, diariamente, exemplos que cheguem.
Tomemos dois exemplos, daqueles de bradar aos céus. O primeiro é da CNNPortugal:
Não consigo, naturalmente, fornecer uma explicação para este "fazer questões" da CNN tuga que deverá supor-se, com boa vontade, que quer dizer "fazer perguntas".
Mas é provável que venha directamente de um mau conhecimento da língua inglesa e do seu "make questions". E digo que o conhecimento é mau porque o bom conhecimento de uma língua estrangeira pressupõe o bom conhecimento da própria língua. E é facto que esta gente não conhece a língua portuguesa.
E, a propósito, registemos um esclarecimento do meritório Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que é de 16 de Junho de 2006:
Não sei como é que se resolve o conflito, óbvio, entre quem escreve na imprensa e a língua em que devem expressar-se.
Mas sei como eu fazia enquanto fui tradutor profissional e quando escrevo, seja lá o que for (histórias, neste blogue, no Facebook, até mensagens privadas): consultava, e consulto, dicionários (dois, em geral) e o Cíberdúvidas. Pelo menos. Apesar de, no caso dos livros, contar com o trabalho de revisores e de editores para que os textos que saíssem das minhas mãos estivessem em harmonia com a língua portuguesa.
Se as secções de revisão desapareceram da medíocre imprensa nacional, os profissionais, ou os que o querem ser, podiam esforçar-se, individualmente, para serem melhores. Ou nem isso. Talvez devessem esforçar-se para serem apenas bons. Ou não querem? Ou também haverá alguém a quem culpar pela falta de vontade de o serem?...
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