domingo, 5 de março de 2023

José Maria da Fonseca no Recanto: a surpresa de um Grand Noir alentejano "à antiga"


Olho sempre com alguma reserva para as grandes empresas de comercialização de vinho. Há quem opte pela facilidade, limitando-se a reforçar o que põem no mercado, espalhando pelas prateleiras dos supermercados mais vinho do que aquele que sai dos territórios de onde, dizem, sai o vinho que vendem. E há os outros, que não deixam de explorar outras opções, lançando, a par dos seus "best sellers" de supermercado, vinhos específicos para públicos de nicho.

Não sabia por isso, confesso, que a José Maria da Fonseca (produtora e distribuidora e com um extenso portefólio de vinhos de mesa, que pode ser consultado aqui) tem produtos de qualidade muito acima da média e à margem das tendências do mercado.

A oportunidade de os conhecer nasceu no segundo jantar vínico do restaurante Recanto, aqui em Caldas da Rainha, num alinhamento que, como o primeiro jantar vínico, foi muito bem conseguido. 



À entrada foi servido um moscatel tónico, com o moscatel Alambre, água tónica, uva, gelo e hortelã. Os moscatéis têm sido bem trabalhados pela José Maria da Fonseca e se o cocktail feito com o Alambre foi um começo bastante agradável, já o Moscatel Roxo DSF, de 2007, untuoso e saboroso apesar do seu pendor muito doce, se mostrou um digestivo muito atraente. A seu lado, salva pela união com a Mousse de Chocolate Servida à Antiga, em prato, a aguardente velha Mosca fez uma figura menos feliz.

Entre os dois moscatéis desfilaram dois vinhos brancos, do Alentejo e da Península de Setúbal. 

O primeiro (Encantado de 2020, do Monte da Ravasqueira/Sociedade Agrícola D. Diniz, de Arraiolos, feito com uvas das castas Alvarinho, Arinto e Viognier) acompanhou uma tábua de queijos da empresa local Flor do Vale (que tem mais queijos do que parece) e uma deliciosa Sopa de Peixe. Deixou boa recordação, mas a temperatura de serviço, talvez demasiado fria, limitou-lhe as qualidades. 




O segundo (Quinta de Camarate seco, de 2022, da José Maria da Fonseca, feito com as castas Alvarinho em 85% e Verdelho em 15%) acompanhou dignamente uma Pescada ao Molho de Marisco e Arroz de Amêijoa (alérgico a marisco, pude comer um lombinho de pescada com broa gratinada e arroz de tomate, numa bela combinação de sabores) e a sua modesta graduação (12,5%) não lhe diminuiu a presença. Casta característica dos vinhos verdes, o Alvarinho apresenta-se com toda a dignidade nestes dois vinhos.



E, finalmente, a grande surpresa da noite (e estes jantares de vários vinhos também servem para isso) foi o tinto Grand Noir Domingo Soares Franco Colecção Privada (da adega de Estremoz da José Maria da Fonseca), com uns imponentes 15% de teor alcoólico, que fez uma excelente companhia a um não menos excelente Cabrito no Forno. 




Carlos Brito, da José Maria da Fonseca, que apresentou os vinhos e a actividade da empresa, disse que este Grand Noir era um vinho alentejano à antiga, e tem razão. Apesar da estranheza inicial de este vinho ser um monocasta de uma casta vinda de França e não nascida no "terroir" alentejano, corroboro. 

O vinho do Alentejo que em tempos já bebi, localmente e antes da massificação de variedades que procuram corresponder a tendências de gosto dominantes, era mesmo assim, robusto e sem desvios adocicados. Como este que, agigantando-se no sabor e na qualidade, até tem um preço relativamente modesto. Tendo nascido em solo arenoso e tendo dado apenas 6200 litros, sem estágio em madeira, o Grand Noir DSF traz consigo um desafio interessante: acredito que pode viver muito mais em garrafa do que os 15 anos que a empresa sugere como longevidade. Procurem-no, sobretudo se gostam dos vinhos do Alentejo. Não vão encontrar muitos assim.






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