segunda-feira, 6 de março de 2023

Um projecto pessoal de poder... a dois?

É tentador ver nas candidaturas eleitorais apresentadas como independentes de partidos uma virtude. Porque os seus protagonistas, aparecendo livres de compromissos partidários, poderão agir como quiserem e, em teoria, corresponder mais favoravelmente aos votos dos cidadãos.

O problema é que nem sempre é assim e o concelho de Caldas da Rainha, nos últimos anos demonstra que a virtude pública dos independentes dissimula vícios privados. Estatisticamente, o que aqui aconteceu em dois casos apenas revelou que os independentes nunca são de fiar

O primeiro caso, de modesta dimensão, foi o de uma candidatura às eleições locais que se ficou por um êxito relativo e que depois entregou os seus votos a um candidato a líder nacional populista, Foi lamentável e depressa se finou. Mas o segundo, aquele a que agora assistimos, é muito pior e muito mais nocivo.



Refiro-me à candidatura de um movimento que se designou por "Vamos Mudar" e que ganhou as eleições autárquicas de 2021 sob a batuta de um empresário: Vítor Marques. O actual presidente da Câmara Municipal de Caldas da Rainha deu prioridade à mudança na sua vida política e empresarial e rejeitou a mudança na gestão municipal.

De Setembro de 2021 a Março de 2023 nada mudou relativamente à gestão municipal. Com efeitos positivos, note-se, porque o que mudou foi tudo para pior. 

Vítor Marques, como outros empresários que passam da economia para a política, parece ter tomado a câmara municipal e o concelho como se fossem departamentos de uma sua empresa e passou a agir como CEO da região, e com plenos poderes. O movimento que fundou e dirigiu é uma espécie de exército de sombras, um bando de zombies todos iguais, fechados ao mundo exterior. Os seus rostos e as suas identidades nem terão ficado na memória dos que neles votaram, até porque a ausência de qualquer mudança retirou-lhes todo o protagonismo que poderiam vir a ter

Vítor Marques, na sua pele de presidente camarário, demonstrou querer fazer duas coisas: capitalizar, política e pessoalmente, a construção do novo hospital do Oeste na zona de influência da sua câmara municipal e prosseguir o êxito obtido como empresário. Só que, ao afunilar as suas intenções, condicionou-se. 

Se é verdade que o seu êxito nestes dois empreendimentos determinará o seu futuro, o certo é que, se as coisas lhe correrem mal, as suas hipóteses de progresso ficarão comprometidas.  Trazer o prometido hospital para Caldas da Rainha dar-lhe-á maiores hipóteses de ganhar as eleições autárquicas de 2025. Se o perder, a vitória ficará muito mais difícil. Por outro lado, o seu desprendimento na relação com a economia privada (vejam-se este caso e este), que é o seu "habitat", pode trazer-lhe dissabores judiciais. Como se tem visto, um presidente camarário arguido por suspeita de crimes na esfera económica pode terminar o seu mandato, mas dificilmente o renovará. Mesmo que procure adquirir uma espécie de "seguro de vida" político.

Depois de ter tomado posse como presidente, Vítor Marques fez um acordo de não hostilidade com o PS de Caldas da Rainha que, sob o manto da colaboração na política municipal, lhe poderia garantir um lugar nas listas do PS em 2025 se as coisas lhe corressem mal. E o PS, eterno derrotado em Caldas da Rainha, bem precisaria de um nome forte para ganhar.

É possível, no entanto, que o acordo tenha ficado inviabilizado com o que parece ser a decisão do Governo (PS) de não "dar" o hospital a Vítor Marques. E o certo é que o signatário do acordo por parte do PS, o ex-candidato e vereador Luís Patacho, interlocutor de Vítor Marques, saiu do PS.



E é assim que Luís Patacho, que nunca ganhou nenhuma eleição para o PS, se pode transformar numa espécie de "seguro de vida" político para Vítor Marques, que ganha assim um parceiro conhecido e com visibilidade pública. 

Luís Patacho pode ser o cabeça de lista para a Assembleia Municipal nas eleições de 2025, enquanto Vítor Marques tentará regressar à câmara.

No fundo, será uma simples aplicação do que se faz na economia, onde há transferências de dirigentes de umas empresas para outras e empresas que podem fundir-se, ou associar-se, para prosperar numa mesma faixa de mercado. Como Vítor Marques bem sabe.



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