quarta-feira, 2 de março de 2016

A propósito de um enigmático prémio de José Rodrigues dos Santos




1.
A notícia é lacónica e citamos o que foi publicado no jornal "i":
 
"José Rodrigues dos Santos é considerado pelos portugueses o melhor escritor nacional. O inquérito foi realizado junto de 28 mil pessoas pela organização do Prémio Cinco Estrelas e questionou os portugueses sobre quem é o melhor escritor do país. Para a escolha era preciso ter em conta várias variáveis como, por exemplo, a qualidade da escrita. Recorde-se que o escritor e jornalista tem 14 romances, todos publicados pela Gradiva. José Rodrigues dos Santos está traduzido em vinte línguas e já vendeu mais de dois milhões de exemplares. Chegou ao top de vendas em Portugal, França, Bulgária e Hungria."
 
2.
Há neste texto três elementos intrigantes a ressalvar: "28 mil pessoas" representam os "portugueses" que se pronunciaram sobre o mérito do autor; não pormenores sobre os vários elementos do "inquérito" (sendo conveniente recordar, a propósito, as fichas obrigatórias para a publicação de sondagens na comunicação social); há um "Prémio" chamado "Prémio Cinco Estrelas".
No "i", só para nos cingirmos ao órgão de imprensa nacional que deu a notícia, ninguém suscita estas dúvidas, das quais a terceira é a mais enigmática: o "Prémio Cinco Estrelas".
 
3.
Existe uma empresa em Lisboa chamada Cinco-Estrelas (com site aqui) que tem como lema a "certificação". Abundante em conceitos e marcas, o site parece sugerir isto: qualquer pessoa se pode candidatar a "examinador", qualquer empresa se pode candidatar a essa "certificação" que parece dar origem a um destaque no site e na comunicação social.
A intenção da Cinco-Estrelas (que garante ser composta por pessoas, sem nome nem rosto, que andam a fazer isto há "10 anos") aparenta ser benévola: distingue o que tem qualidade, o que tem "5 estrelas".
A título pro-bono porque o site não tem qualquer informação sobre um eventual pagamento do galardão?
Não.
Aliás, facilmente se intui que a situação é outra(independentemente de qualquer pessoa de bom senso não conseguir pensar que a Cinco-Estrelas seja um agrupamento de benfeitores), como se pode ler na publicação de marketing "Marketeer":
"Qualquer produto ou serviço que seja comercializado no mercado nacional pode candidatar-se ao Prémio Cinco Estrelas mas nem todos serão admitidos, como esclarece Ana Cristina Loureço à Marketeer. A responsável explica ainda que não é necessário nenhum pagamento inicial para que as marcas se inscrevam no Prémio Cinco Estrelas. As candidaturas validadas têm, depois, mediante pagamento, a oportunidade de ter acesso aos relatórios provenientes das seguintes fases do processo de certificação, que passa por testes de experimentação e ainda questionários de avaliação massificada" (sublinhados meus).
 
4.
Ou seja:
(1) o tal "prémio" de José Rodrigues de Santos é uma coisa de critérios e universo absolutamente desconhecidos;
(2) as empresas, produtos e serviços que se "candidatam" ao dito prémio sujeitam-se a um pagamento "depois";
(3) o site não informa se pode haver "candidaturas" pessoais mas, de qualquer modo, José Rodrigues dos Santos tem o apoio de uma editora (Gradiva) que beneficia decerto bastante das vendas dos seus livros;
(4) é legítimo supor, perante a formulação (não desmentida) da "Marketeer" e a ausência de outras informações sobre um assunto de inegável interesse público, que alguém ou alguma entidade possa ter estado na situação descrita pela "responsável" Ana Cristina Loureço (ou Lourenço, porque o nome aparece escrito das duas maneiras) pela atribuição do "Prémio Cinco Estrelas" a José Rodrigues dos Santos.
 
5.
Houve muitas boas almas que se indignaram (um desporto nacional...) com a "eleição" de José Rodrigues dos Santos.
Deviam, sim, indignar-se por dois outros motivos: (a) pela obscuridade que rodeia o "Prémio Cinco-Estrelas" e (b) pelo facto de talvez não comprarem (se é que compram...) livros de outros autores portugueses.
 
*
 
Convirá acrescentar, para bom esclarecimento dos leitores, que o autor destas linhas nunca leu nem comprou nada do citado autor, não tenciona ler nem comprar e também não simpatiza com a sua "persona" televisiva. 
 
 
 
 
 

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