"Gazeta das Caldas", 24.01.2020 |
Quando vi a notícia sobre os estrangeiros na União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro (a que aqui me referi), fiquei com alguma curiosidade sobre os pormenores do trabalho de base. E, pouco tempo depois, lá aparecia ele no site da "União".
Li as suas 65 páginas e o interesse transformou-se em dúvidas. Metodológicas e de conteúdo. E bastante factuais.
Ao contrário do que costuma acontecer em trabalhos científicos, o autor (apresentado apenas como "investigador Ricardo Gomes") é secundarizado. O destaque vai para o presidente da junta de freguesia que resulta desta união de freguesias. É uma nuance sugestiva. Sendo débil o trabalho, está adequado a quem pode ser tido como autor.
Haverá por aqui, segundo o resumo oficial, "731 estrangeiros de 40 nacionalidades", distribuídos (e este pormenor é fundamental) por uma freguesia rural que tem características de interior rural e que tem como fronteira ocidental o Oceano Atlântico (Serra do Bouro) e uma freguesia da capital do concelho (Santo Onofre) que é tipicamente urbana.
Entre as duas, note-se, fica uma terceira freguesia (Nadadouro), em perfeita contiguidade geográfica com as outras duas. Mas esta é ignorada.
Entre as duas, note-se, fica uma terceira freguesia (Nadadouro), em perfeita contiguidade geográfica com as outras duas. Mas esta é ignorada.
Repare-se como a freguesia do Nadadouro fica "entalada" entre Santo Onofre e Serra do Bouro: será que os estrangeiros que vivem no Nadadouro são diferentes dos que vivem nas outras freguesias? |
O apuramento dos estrangeiros é a falha maior do estudo, que acaba por expor claramente as suas fragilidades.
A base dos potenciais inquiridos foi achada a partir dos contactos feitos com os serviços da união de freguesias e na "interacção" assim mantida. Houve uma tentativa de conseguir que respondessem a um inquérito, mas da forma mais passiva: podiam levar o papel dos serviços. O resultado foi óbvio: ninguém quis responder.
A base dos potenciais inquiridos foi achada a partir dos contactos feitos com os serviços da união de freguesias e na "interacção" assim mantida. Houve uma tentativa de conseguir que respondessem a um inquérito, mas da forma mais passiva: podiam levar o papel dos serviços. O resultado foi óbvio: ninguém quis responder.
O retrato só teria, assim, ficado completo se quem fez o estudo tivesse ido ao terreno. Porta a porta, a partir dos dados existentes. Isso permitiria, por exemplo, perceber porque é que uma nacionalidades se fixaram na zona rural e litoral e fora da cidade e porque é que outras se fixaram na cidade. Não foi o que aconteceu.
A falta de contacto directo está, como é evidente, na origem das deduções a mais que são feitas a partir dos elementos recolhidos. Não são conclusões, mas são suposições. Com base na premissa tal, então… Há a possibilidade de… As circunstâncias sugerem que… A abordagem é empírica…
Digamos que em vez da ciência há adivinhação e que isso faz com que a "carta" não passe de um rascunho.
Digamos que em vez da ciência há adivinhação e que isso faz com que a "carta" não passe de um rascunho.
O texto, que se desdobra em potenciais explicações para alguns movimentos migratórios e onde se faz doutrina sobre "país", "nação" e "Estado", tem, por outro lado, falta de uma coisa muito básica: fontes. Nada disto é compreensível e fere a própria coerência do estudo. Que serve, assim, para quê?
*
Quis esclarecer estas dúvidas e dirigi um pequeno questionário à União de Freguesias de Santo Onofre e Serra do Bouro e à empresa Partnia, que terá sido a coordenadora da coisa. Fazia oito perguntas, pedindo resposta até ontem, segunda-feira.
A União de Freguesias respondeu apenas que iria passar as perguntas a Ricardo Gomes e que me enviaria as respostas assim que as tivesse. A Partnia não respondeu.
Ficam, por isso, apenas as perguntas. Se chegarem respostas, serão acrescentadas aqui.
1 - A "Carta Local de Comunidades Estrangeiras" foi feita a partir de "interacções" da população estrangeira com os serviços da União de Freguesias, tendo falhado a tentativa de fazer um inquérito personalizado. Porque é que não foi feito um trabalho de campo, de contacto directo com a população estudada, nas suas próprias habitações?
2 - Porque é que não é registada a diferença entre a fixação de população estrangeira na freguesia urbana (Santo Onofre) e na freguesia rural (Serra do Bouro, nomeadamente no "eixo" Cabeço da Vela - Cidade)?
3 - Entre as freguesias de Serra do Bouro e de Santo Onofre existe uma terceira freguesia, que está em perfeita continuidade geográfica com estas duas: o Nadadouro. Porque é que não foi estudada, ou mencionada, esta extensão territorial que só por motivos políticos e outros está "isolada" das duas freguesias em questão.
4 - Verifica-se alguma imprecisão nas conclusões que são apresentadas ("sugere", "possibilidades", "forma empírica", "premissas") e que acabam por ser conclusões provisórias. Este estudo vai ser aprofundado?
5 - O facto de as perguntas inventariadas na página 55 ("Conclusões") ficarem sem resposta não torna mais débil o estudo?
6 - O autor do estudo é apenas mencionado uma vez e sem que dele se conheçam mais pormenores. Quem é Ricardo Gomes e qual é o seu currículo?
7 - Qual é a fonte da base teórica para as considerações sobre a diferença entre "país" e "nação" que são desenvolvidas na página 39 (nota de rodapé n.º 30).
8 - Quanto pagou a União de Freguesias por este estudo?
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