segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A indignação contra “Eu e os Políticos”: uma lição de hipocrisia



Há por aí, segundo consta, um livro que conta “segredos sexuais” ou “revelações sexuais” dos políticos. Parece mal, há até quem diga que é crime, todos aqueles que exigem “transparência” aos políticos choram lágrimas de indignação. 
Trata-se de “Eu e os Políticos”, de José António Saraiva (ed. Gradiva), que foi director do “Expresso” e do “Sol”, que (suscitando todas as mais piedosas inquietações) até tem um buraco de fechadura na capa e uma apresentação algo sensacionalista: “O que não pude (ou não quis) escrever até hoje – O livro proibido”.
Fui comprá-lo e lê-lo, tendo assim cometido um pecado, um sacrilégio ou um crime (depende do grau da indignação encenada). Encontrei 260 páginas de apontamentos memorialistas sobre 42 figuras públicas, das quais nem todas são políticos. E encontrei “segredos sexuais”? Bom, nas 260 páginas informa-se o leitor de que:
1. P. P. é homossexual – como se não corresse há anos a informação, e nem foi necessária a reportagem do jornalista Rui Araújo no “Le Point”, e duas outras figuras públicas do PS e do BE (A.G. e F. L.) não o tivessem já insinuado com grosseria;
2. E. R. (que não é político) e P. S. L. tinham algumas inconstâncias de natureza amorosa – o que não é exactamente uma novidade;
3. M. F. e  J. A. D. tiveram um “caso”; 
4. F. C. e A. L. (nenhum deles políticos) se faziam fotografar quando tinham relações sexuais e que a empregada da primeira viu as fotografias; e que
5. E. F. R. aparecia mencionado no “processo Casa Pia” – o que nem é novidade.
Estes são, em menos de meia-dúzia de páginas, os “segredos sexuais” dos políticos, que tantas boas almas indignram, ou o quiseram aparentar, do Facebook à imprensa dita “de referência”. E até podia haver bastante mais. Quando o autor se refere a “O Independente” podia ter esclarecido o enigma da célebre pasta, com fotografias de meninos nus, que pertencia ao ministro E. M. e um dia ficou esquecida, ou o motivo que levou o ministro V. O. a demitir-se do Governo quando o famoso “Bibi” foi preso. Ou o namoro mais picante entre o deputado M.A. e a deputada H.R. Por exemplo.
A indignação, no caso deste livro, é uma hipocrisia, uma parvoíce ou uma ingenuidade quase comovente. 
O que aqui se lê é o que José António Saraiva conta (com a candura de “outsider” do “milieu” que o caracteriza) sobre os contactos presenciais e pessoais com políticos que até davam informações em primeira mão ao “Expresso”. E, também, como recusou ou contornou certas pressões. Este testemunho é mais relevante do que as apregoadas “revelações sexuais” da treta. E seria bom que quem, no meio jornalístico e intelectual, se mostrou tão indignado contasse o que sabe ou o modo como também obtinha, e obtém, as suas próprias informações.  
Aliás, o tráfico de informações entre o poder politico, judicial e económico e o jornalismo é que merece maior escrutínio do que a vida privada das pessoas públicas e, em numerosos casos, a devida indignação.
É sintomático que disso não se fale. E, aliás, também se percebe como as notas de José António Saraiva parecem, até, ser contidas. 
Quanto ao resto, “Eu e os Políticos” até se lê bem. Não passa de um registo memorialista interessante, capaz de interessar mais ao leitor que mais conhece ou melhor memória tem. Quanto ao pequeno mundo nacional (onde os facilmente indignáveis emprenham ansiosamente pelo ouvido), merecia mais. A bem da transparência da vida pública.



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