segunda-feira, 18 de novembro de 2019

E por onde é que ele anda, o vinho espanhol?


Portugal, país produtor de vinho, importa vinho. Em 2017 (último ano com estatísticas disponíveis para este vector no site do Instituto da Vinha e do Vinho) foi Espanha, país produtor de vinho, a ocupar lugar de destaque no conjunto do vinho importado: 94,9 por cento. No mesmo ano, entraram em Portugal vinhos de França (1 por cento), Itália (3,1 por cento), Alemanha (0,3 por cento), Estónia (0,4 por centro) e de “outros países” (0,2 por cento).
A desproporção é real: é de Espanha que vem o grosso do vinho importado. Em 2017 foram 1 775 933 hectolitros (ao preço de 0,45€ por litro), em 2016 foram 1 444 711 hectolitros (0,45€) e em 2015 foram 1 781 229 hectolitros (0,37€). Esta importação não se traduz em garrafas. Em 2017, a quantidade de “vinho de mesa” (sem ser DOP/DOC ou IGP, ou seja indiferenciado e não certificado) vindo de Espanha foi de 86,4 por cento do total, em 2016 foi 84,3 por cento e em 2015 foi 86,1 por cento.
Em termos práticos, os 1 775 933 hectolitros de 2017 traduzir-se-iam em 236, 7 milhões de garrafas de 0,75 litros. Ou, na medida mais vulgar dos “bag in the box”, os de cinco litros, seriam 35,5 milhões de caixas de “bag in the box”. Encheriam armazéns, entrepostos, centros de distribuição, alas inteiras de supermercados, prateleiras de restaurantes. Mas vemo-lo, ao “vinho de mesa” espanhol? Há garrafas à venda, normalmente de DOP/DOC e de IGP: O “vinho de mesa” estará à venda, sem que, no entanto, o vejamos como tal?
Não é vulgar em garrafas mas encontram-se com facilidade caixas de “bag in the box” com indicação de “Vinho da UE [União Europeia]”. É uma obrigação legal, para indicar a origem do produto. É possível que a obrigação seja sempre cumprida. A possibilidade de haver garrafas de vinho de produtores portugueses com vinho espanhol (sem que ele seja identificado como tal) é um rumor que circula há muito em Portugal. Há rolhas reveladoras, há camiões-cisternas que são avistados junto das instalações de empresas produtoras de vinho, há empresas produtoras de vinho sem infraestruturas de produção de vinho.
As circunstâncias económicas favorecem o negócio. Se tomarmos o já citado preço por litro de 2017 (0,45€) e um preço do processo de engarrafamento que pode ser quase idêntico (“Para poder ser comercializada, uma garrafa de vinho certificado requer uma garrafa de vidro, um rótulo, uma rolha, uma cápsula, um selo de garantia da comissão vitivinícola respectiva e uma caixa de cartão (dá para seis garrafas, pelo que só consideramos um sexto do custo de cada caixa). Com ganhos de escala e recorrendo aos materiais mais baratos, vamos admitir que é possível conseguir tudo isto por cerca de 40 cêntimos”, “Público”, 11/04/2017), a margem que ficará de vinhos que podem ser vendidos a 3, 4 ou mesmo 5 euros é convidativa, comercialmente. E a prática até pode ser estimulada, de outro modo: uma marca pode ser “forte” se estiver à venda em todo o lado, em todos os supermercados, em todos os restaurantes, em todas as garrafeiras. E sai mais barato comprar já feito do que estar a fazer.
Nas estatísticas do IVV, a propósito, encontram-se dados interessantes sobre a presença das regiões vitivinícolas portuguesas no mercado português. As que têm maior presença são o Douro e, taco a taco, Lisboa e Alentejo. Em 2016/2017 (nomenclatura do IVV), o Douro teve 1 337 201 hectolitros (22 por cento), Lisboa teve 998 804 hectolitros (17 por cento) e o Alentejo 1 050 439 (17 por cento). Em 2017/2018, os valores respectivos foram 1 448 874 hectolitros (22 por cento), 1 225 840 hectolitros (18 por cento) e 954 910 hectolitros (14 por cento).
São estes valores que se encontram reflectidos na venda ao público, no sector retalhista e na restauração? Ou será a combinação destes valores e dos anteriores? Ou as duas coisas?
Publicado no Portugal Digital.

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