A queda do Muro de Berlim, em 1989, foi um trauma.
Nenhum comunista escapou ileso à fuga em massa dos alemães da ex-República Democrática Alemã do seu país e dos muitos outros que se lhes juntaram: então já não queriam lá estar?!
Uns terão regressado, outros não, os regime do “socialismo real” foram caindo como pedras de dominó e o que hoje resta é uma Rússia com alguns Estados agregados, que tem mais a ver com a Rússia czarista do que com o centro da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Em Portugal, alguns comunistas foram-se afastando do PCP. Outros ficaram. O discurso da direcção do PCP foi unânime: era tudo uma fabricação, fazia tudo parte de uma “campanha”. Só lhes faltou dizer que o Muro de Berlim não tinha caído e que as imagens da fuga do Leste eram uma invenção.
Os comunistas que ficaram no partido aceitaram a ideia. Sentiram-se, decerto, mais confiantes: ainda era possível acreditar na Terra Prometida. O que fazia as normas da fé era o “Avante!”. E no “Avante!” confiavam.
É interessante ver como reina, hoje em dia, uma certa versão deste trauma, que se tem manifestado numa santa ignorância da subida dos juros da dívida pública, do aumento brutal dos impostos indirectos e do comportamento trapalhão do Governo e especialmente do ainda ministro das Finanças perante o mito do “banco público”.
A coisa chega ao ponto de se dizer que a avaliação do grau de cedência do ministro das Finanças às exigências do indigitado presidente da CGD não interessa, que não é notícia e que há coisas “mais importantes”. E dizem-no, muitos, com uma raiva nas letrinhas todas, ignorando que, no passado, recente já haviam (e os seus idolatrados BE e PCP) pedido a demissão de ministros por acontecimentos menos significativos.
Este estado de contentamento tolerante com a mentira política estende-se ao apoio que dão ao actual Governo e tem expressão nas sondagens de um único jornal que vai dando como certa a subida de votos no PS.
Como muita desta gente não terá perdido as suas capacidades intelectuais em tão pouco tempo, é plausível que estejam a sofrer de um trauma bem concreto e a tentar compensá-lo. Durante quatro anos desfizeram-se em manifestações contra o Governo anterior, em protestos, em comentários, em manifestações. E depois os partidos do Governo (PSD e CDS) ganharam as eleições legislativas.
Este trauma, que parece afectar também o PCP (quando diz que a sua entrada no actual esquema governativo só teve o objectivo de alterar o que tinha sido feito pela “direita”), justifica o apoio cego a um primeiro-ministro golpista, esquece o clima de mentira, ilude a perda do poder de compra e a ameaça da crise financeira. O apoio ao Governo e às suas mentiras é, afinal, um pequena forma de vingança contra os que não tinham conseguido vencer.
À sua maneira, são uma espécie de Trumps da esquerda.
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