O PCP é um partido revolucionário.
Não o afirma claramente nos seus estatutos, onde apenas destaca a “revolução” de 25 de Abril de 1974 mas, no art.º 2.º dos estatutos, declara:
“O PCP tem como base teórica o marxismo-leninismo: concepção materialista e dialéctica do mundo, instrumento científico de análise da realidade e guia para a acção que constantemente se enriquece e se renova dando resposta aos novos fenómenos, situações, processos e tendências de desenvolvimento. Em ligação com a prática e com o incessante progresso dos conhecimentos, esta concepção do mundo é necessariamente criadora e, por isso, contrária à dogmatização assim como à revisão oportunista dos seus princípios e conceitos fundamentais.”
E o que pretende alcançar com estes pressupostos?
Segundo o art.º 6.º dos estatutos, “O PCP tem como objectivos supremos a construção em Portugal do socialismo e do comunismo que permitirão pôr fim à exploração do homem pelo homem e assegurar ao povo português o efectivo poder político, o bem estar, a cultura, a igualdade de direitos dos cidadãos e o respeito pela pessoa humana, a liberdade e a paz.”
E como é que isto se consegue? Isso já o PCP não o diz. Mas a História e a doutrina marxista-leninista defendem uma revolução que elimine a base económica e social do capitalismo e da democracia burguesa e que crie uma nova superstrutura política e ideológica.
Esta superstrutura (Governo, Estado e o partido revolucionário) guiaria a “vasta frente social que abrange os operários, os empregados, os intelectuais e quadros técnicos, os pequenos e médios agricultores, os pequenos e médios empresários do comércio, indústria e serviços, bem como as mulheres, os jovens, os reformados e pensionistas, os deficientes, forças sociais que intervêm na vida nacional com aspirações e objectivos específicos” (é esta a base social de apoio do PCP, ainda segundo os estatutos).
Marx, com Engels, definiu a doutrina. Mas não fez a revolução. Vladimir Ilitch Lenine aprofundou a definição teórica e fez a revolução, há cem anos, na Rússia pouco industrializada e de base agrícola. Lenine não levou a sua revolução até ao fim, tendo morrido cedo demais, e sucedendo-lhe Estaline.
O resto é conhecido: a nova ordem socialista (o “socialismo real”) exigia a ditadura do proletariado (os operários que, de seu, só possuíam a respectiva prole), violenta mas de uma violência “justa”, “de classe”.
E é isto que o PCP de Jerónimo de Sousa está a fazer desde que, há um ano, se aliou ao PS e ao BE? Não.
As grandes lutas sindicais desapareceram com a reconquista suave dos privilégios de grupos laborais elitistas (os funcionários das empresas públicas e do Estado, essencialmente).
O que antes suscitava grandes protestos na prática politica é hoje absorvido melifluamente pelo PCP. E o grande objectivo (como o seu próprio secretário-geral disse em entrevista ao “Expresso”) era a satisfação da função pública. Nem sequer em termos salariais para o futuro mas apenas numa recuperação de parte do que estes trabalhadores (e muitos outros) haviam perdido desde 2010 (com o anterior Governo socialista).
Ou seja, e muito claramente: o PCP pôs de lado a revolução nas suas acções (já o tinha feito, nas palavras) e tornou-se reformista.
Miguel Urbano Rodrigues, o novo “crítico”
“A perspetiva esboçada é reformista e choca-se com o marxismo-leninismo, ideologia assumida pelo PCP. A nossa época não se assemelha à dos anos em que Marx e Lenin – em contextos históricos aliás diferentes – sem rejeitar a luta por reformas, iluminaram o fosso intransponível que separa o reformismo da atitude revolucionária.
O marxismo não é estático. A grandeza do leninismo é identificável precisamente pela capacidade de Lenin para inovar como estratego e tático, mantendo uma fidelidade intransigente a princípios, valores e lições do marxismo. Não encontrei essa atitude nas páginas da Resolução [proposta para o XX Congresso, a realizar] dedicadas à política patriótica e de esquerda na luta pelo socialismo.”
Quem isto escreveu chama-se Miguel Urbano Rodrigues. Foi, e calculo que ainda seja, jornalista. É militante comunista há mais de 50 anos. Foi fundador e director do matutino “o diário” (que o PCP manteve). Ideologicamente, é ortodoxo. Rigidamente ortodoxo, como demonstrou ao dirigir “o diário” e em tudo o que escreveu. E ainda escreve.
O autor termina este texto com a seguinte afirmação: “Milito no PCP há mais de meio século. Foram as lutas em que participei como comunista que conferiram significado à minha passagem pela vida. É nessa condição que termino desejando que o XX Congresso possa apontar ao Partido o rumo que Álvaro Cunhal tão exemplarmente contribuiu para lhe imprimir na fidelidade à tradição revolucionária da sua gloriosa história.”
Este texto de Miguel Urbano Rodrigues foi publicado no “Avante!” de 27 de Outubro, numa secção intitulada “Tribuna do Congresso”, onde os militantes se podem expressar livremente no âmbito da preparação do XX Congresso (marcado para o próximo mês).
O que aqui escreveu Miguel Urbano Rodrigues tem um duplo significado: é a expressão da sua opinião individual mas também a expressão do que outros pensam. Até porque Miguel Urbano Rodrigues nunca escreveria estas palavras se não houvesse mais gente a pensar o mesmo.
Por muito voluntarioso que seja, conhece perfeitamente as regras escritas e não escritas do PCP e não daria voz, de modo tão claro, a uma posição crítica que não soubesse ser acompanhada por outros.
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O PCP de Jerónimo de Sousa deixou-se ir para o mesmo nível do BE,
trocando a revolução popular pelos favores do PS
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Jerónimo de Sousa, o secretário-geral eurocomunista
Há cerca de um ano, era dada como certa a substituição de Jerónimo de Sousa no cargo de secretário-geral do PCP, devido à sua idade avançada e à necessidade de renovar a direcção partidária com quadros mais jovens.
A certa altura começou a circular que Jerónimo de Sousa, sempre muito activo como deputado e com menos tempos para se ocupar do partido, iria ter um secretário-geral adjunto, que seria o seu sucessor.
De repente, porém, as notícias desapareceram e Jerónimo de Sousa voltou a aparecer como secretário-geral incontestado, quase em paralelo com a aliança informal estabelecida com o PS e com o BE.
O maior envolvimento do PCP no apoio ao governo do PS e o fim da agitação sindical só porque os trabalhadores da função pública e das empresas públicas recuperaram alguns benefícios, foi acompanhado, entretanto, por rumores que davam conta de que alguns sectores partidários estariam crescentemente críticos das posições do actual secretário-geral.
A questão é, por um lado, a conversão do PCP a uma orientação reformista (e a adopção do “eurocomunismo”, tantos anos depois) e, por outro, as cedências da direcção de Jerónimo de Sousa ao adversário que sempre foi o PS e ao rival que é o BE.
Em termos práticos, e considerando as eleições, o PCP serve apenas para ajudar a “segurar” o PS e já não se distingue dos “pequeno-burgueses de fachada socialista” do BE. Não é um rumo à vitória… mas à irrelevância. É curto para este partido.
Miguel Urbano Rodrigues, que invocou Lenine, Cunhal e a sua própria militância de 50 anos, não é uma voz isolada. Mas as outras, de quem pensa o mesmo, estão silenciadas pela disciplina partidária.
Ao contrário do que aconteceu com os “críticos” que começaram a sair nos anos 80 (de Zita Seabra a João Semedo, passando por Vital Moreira, Pina Moura ou António Teodoro, por exemplo), este novos “críticos” não parecem procurar a imprensa para amplificar as suas afirmações e a imprensa, em geral, já não sai da sua zona de conforto para ir à procura de fontes de informação que não estejam já na agenda dos seus telemóveis. Daí, já agora, o silêncio da própria imprensa.
É natural que esta posição de Miguel Urbano Rodrigues não seja publicamente secundada (embora vá ser invectivada na “Tribuna do Congresso”), tal como é natural que os revolucionários não entrem em conflito com os “reformistas” de Jerónimo de Sousa. O próprio XX Congresso não irá espelhar as divergências. E Jerónimo de Sousa continua a controlar a direcção.
Mas, por mais silenciosas que elas são, o certo é que as divergências existem. Acredito que haverá novos “sinais”, mais cedo ou mais tarde.