quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O confinamento da razão gera monstros

 


Em 27 de Janeiro deste ano, o recém-reeleito Presidente da República produziu o projecto de Decreto do Presidente que renovava, mais uma vez, o estado de emergência em que vivemos há cem dias. O texto (que pode ser visto aqui, para que não subsistam dúvidas) tem este estranho começo: “A situação de calamidade pública provocada pela pandemia COVID-19 continua a agravar-se, fruto, segundo os peritos, da falta de rigor no cumprimento das medidas restritivas (…)  Os peritos insistem que a intensidade e eficácia das medidas restritivas (…)”

Marcelo Rebelo de Sousa, que exerce a função presidencial, foi professor de Direito e jurisconsulto. Deu aulas na Universidade de Lisboa e fez pareceres jurídicos, a pedido e remunerados, para auxiliar causas em litígios judiciais. Estes pareceres, pedidos pelas partes envolvidas em processos judiciais que os podem pagar, são uma forma de estribar posições e recursos que contrariam decisões de juízes e invocam jurisprudência a favor da posição de quem paga os pareceres.

Não é crível que o jurisconsulto Rebelo de Sousa ocupasse os seus pareceres com as opiniões de “peritos” sem nome ou que, enquanto professor, aceitasse qualquer argumento de um seu aluno que invocasse a seu favor as opiniões de “os peritos”, sem os nomear.

Mas o presidente Rebelo de Sousa remete para as opiniões dos “peritos” sem nome a continuação de uma medida terrivelmente gravosa para a economia e a sobrevivência do País. Mais claramente: de destruição do País. Sem qualquer problema de consciência. (Além de ralhar com a população pela alegada “falta de rigor no cumprimento das medidas restritivas”.) Infelizmente, a imprensa não pergunta uma coisa muito simples: quem são eles, quem são os “peritos”? E os políticos também não. Quanto à população, nem se fala. O velho adágio, que ouvi pela primeira vez em 1971 ou em 1972, tem de ser adaptado: onde antes se dizia que em Portugal há três espécies de gado: o que se exporta, o que se importa e o que não se importa”, deverá agora dizer-se que aquele que aquela que “não se importa”, também gosta de não se importar… e de viver em medo do bicho-papão e dos ralhetes dos políticos que mandam.

                                                          Um erro de 340 por cento

Regressemos ao decreto presidencial. Os sábios sem nome podem ser cartomantes, videntes, epidemiologistas, tarólogos, médiuns, geógrafos, tradutores, matemáticos ou jornalistas. Escritores é que não porque o que lhes vai saindo (e que, repete-se, não se encontra em qualquer publicação científica) é, por norma, pouco articulado.

Assim sendo, só é possível especular e pensar que talvez se trate de um grupo de matemáticos da Faculdade de Ciências de Lisboa, que parecem ter presença assídua nas chamadas “reuniões do Infarmed”. E se é esse o caso, estamos a falar de universitários que parecem que, sem conhecimento especializado de epidemiologia, influenciam decisivamente o Presidente da República e o Governo… mesmo quando asneiram.

Registe-se, porque dificilmente poderia ser mais certeiro, o comentário certeiro de Raquel Varela publicado aqui: “Carlos Antunes, matemático que aconselha o Governo ao confinamento e encerramento de escolas em declarações a 20 de janeiro: ‘Dia 10 ou 12 de fevereiro iremos atingir 17 mil casos diários’. Temos, 15 dias antes disso, menos de 5 mil casos. Em ciência nem chamamos a isto um ‘erro grosseiro’. Mesmo sem contar as duas semanas de falhanço nas previsões e só olhando para o valor avançado por Carlos Antunes é um erro de 340%. Jorge Torgal, na mesma altura de Janeiro, catedrático de epidemiologia e presidente do Conselho Nacional de Saúde: os números vão cair radicalmente em menos de 15 dias, entre outras razões porque há uma onda de frio que reduziu drasticamente. Infelizmente o confinamento não irá – disse – impedir a catástrofe nos lares e idosos sós e pobres. E vai criar ainda mais doentes de outras doenças não tratadas, com mortes precoces e evitáveis. Para pensar assim são precisas 5 décadas de estudo multidisciplinar, independência científica e aquela dose fundamental de um ingrediente famoso na produção científica – coragem intelectual. Foi com base num ‘erro’ de 340% que se impuseram mais uma vez medidas devastadoras para a saúde, economia, educação e democracia de um país inteiro.”

E como é que aqui chegámos?

                                   Um novo “Reich dos Mil Anos” entre Ferguson e Tegnell         

Os governos tiveram medo, tal como as pessoas sujeitas há mais de um ano às vagas de pânico dos telejornais. E entregaram-se nas mãos daquilo a que gostam de chamar “os peritos”. Os governantes foram escolhidos pelo voto para governarem, mas cederam à cobardia: fazem o que esses “peritos” (cujos lugares e salários, dependentes do Estado, não saem prejudicaos pela crise económica) lhes dizem e, se disso gosta o eleitorado transido de medo, já ganharam o dia.

Se olharmos para além-fronteiras, vemos dois casos paradigmáticos. No Reino Unido, o epidemiologista Neil Morris Ferguson, conhecido pelas suas previsões catastróficas, garantiu, no início do ano passado, que morreriam meio milhão de pessoas vitimadas pelo vírus SARS-Cov2 se o governo não fechasse o país. O governo fez o “lockdown” e não morreram meio milhões de pessoas. Errou? Não. O seu argumento, muito “científico”, foi “Não morreram, porque se fez o ‘lockdown’”. Na Suécia, onde as autoridades de saúde são independentes do governo, o epidemiologista Anders Tegnell encabeçou outro ponto de vista: restrições mínimas, cuidados máximos. Hoje, nem é necessário ir mais longe: Portugal tem maior número de mortos associados à doença causada pelo vírus, a covid-19, do que a Suécia. E menos liberdade e menos democracia do que a Suécia.

O grande medo dura há mais de um ano. Deformou mentes, aniquilou a capacidade de pensar, desfez o espírito crítico, criou um movimento populista associado ao “ficar em casa” que é alimentado por quem, ficando em casa, nunca perdeu salários e emprego e, no caso da função pública, nem sequer os subsídios de refeição.

Dos “peritos” oficiais (compare-se com Tegnell, que, sem calculismos de carreira, deu a cara desde o primeiro momento) nada se sabe a não ser duas coisas: têm presença assídua nas televisões e nos jornais e nenhuma nas publicações científicas, aquelas onde os cientistas legitimam o que pensam, afirmam ou concluem em ensaios que passam pelo crivo dos seus pares. Podem dizer o que quiserem, mas os seus argumentos têm de ter base sólida. Aos “peritos” portugueses basta-lhes o “bitaite” científico com um erro de 340 por cento.

A sociedade portuguesa é, hoje, uma sociedade bloqueada. Os “peritos” oficiam como párocos e mandam como cardeais, a imprensa fechou-se por completo ao contraditório, as vozes dissonantes foram silenciadas, todas as mortes são “covid”, os hospitais públicos estão “cheios” porque saíram médicos, foram reduzidas as capacidades de acolhimento, as estruturas residenciais de idosos (os “lares”) continuam a ser o maior fornecedor dos mortos que caracterizaram a presente crise sanitária, criaram-se mitos (o das máscaras que, afinal, sendo tão generalizadamente usadas, não impediram o alastramento, inevitável, dos contágios) e instalou-se uma atmosfera amnésica (a gripe nunca existiu…) enquanto se transformava a noção de uma vacina desenvolvida à pressa no Messias do século XXI.

Conheço pessoas que tiveram formação universitária, que liam, que saíam para ir a restaurantes, que passeavam, que eram capazes de raciocinar, de debater, que se riam e se divertiam. Hoje, pelo pouco que tenho percebido, essas pessoas vivem, ou sobrevivem, enleadas no medo pegajoso de uma doença que não mata como se dizia que mataria.  Procurei, a todas, dar-lhes elementos para pensarem por si. Falei-lhes nas estatísticas (e não há outra maneira de avaliar a progressão de uma doença), sugeri-lhes que, ao menos, ouçam e leiam o que não encontram nos telejornais que vêem. Que usassem alguns minutos do seu tempo a fazê-lo. Em vão. Devem pensar que eu, mente sã em corpo são, não passo de um enviado de Satanás.

Este é o outro confinamento. Menos visível, talvez mais perigoso. É o confinamento da capacidade de raciocinar. Da razão. A economia pode sobreviver, os políticos poderão vir a ser substituídos mesmo que só depois do “Reich dos Mil Anos” deles. Mas a razão, essa, morre e deixará à solta os monstros que gerou.


Uma nota final

As visões alternativas à narrativa oficial (e com informações sólidas e estatísticas e fontes bem identificadas) têm sido, sobretudo, desenvolvidas por André Dias (em andre-dias.net), Jorge Torgal (em jorgetorgal.com), Lourdes Cerol Bandeira (em lourdescerolbandeira.eu), Pedro Almeida Vieira  (em Nos Cornos da Covid) e Raquel Varela (em https://raquelcardeiravarela.wordpress.com). Um bom exemplo de imprensa alternativa é o Farol XXI (em https://farolxxi.pt/).


Publicado no Portugal Digital

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