Em 27 de Janeiro deste ano, o recém-reeleito Presidente da República produziu o projecto de Decreto do Presidente que renovava, mais uma vez, o estado de emergência em que vivemos há cem dias. O texto (que pode ser visto aqui, para que não subsistam dúvidas) tem este estranho começo: “A situação de calamidade pública provocada pela pandemia COVID-19 continua a agravar-se, fruto, segundo os peritos, da falta de rigor no cumprimento das medidas restritivas (…) Os peritos insistem que a intensidade e eficácia das medidas restritivas (…)”
Marcelo Rebelo de Sousa, que exerce a função presidencial,
foi professor de Direito e jurisconsulto. Deu aulas na Universidade de Lisboa e
fez pareceres jurídicos, a pedido e remunerados, para auxiliar causas em
litígios judiciais. Estes pareceres, pedidos pelas partes envolvidas em
processos judiciais que os podem pagar, são uma forma de estribar posições e
recursos que contrariam decisões de juízes e invocam jurisprudência a favor da
posição de quem paga os pareceres.
Não é crível que o jurisconsulto Rebelo de Sousa ocupasse os
seus pareceres com as opiniões de “peritos” sem nome ou que, enquanto
professor, aceitasse qualquer argumento de um seu aluno que invocasse a seu
favor as opiniões de “os peritos”, sem os nomear.
Mas o presidente Rebelo de Sousa remete para as opiniões dos
“peritos” sem nome a continuação de uma medida terrivelmente gravosa para a
economia e a sobrevivência do País. Mais claramente: de destruição do País. Sem
qualquer problema de consciência. (Além de ralhar com a população pela alegada
“falta de rigor no cumprimento das medidas restritivas”.) Infelizmente, a
imprensa não pergunta uma coisa muito simples: quem são eles, quem são os
“peritos”? E os políticos também não. Quanto à população, nem se fala. O velho
adágio, que ouvi pela primeira vez em 1971 ou em 1972, tem de ser adaptado:
onde antes se dizia que em Portugal há três espécies de gado: o que se exporta,
o que se importa e o que não se importa”, deverá agora dizer-se que aquele que
aquela que “não se importa”, também gosta de não se importar… e de viver em
medo do bicho-papão e dos ralhetes dos políticos que mandam.
Um erro de 340 por cento
Regressemos ao decreto presidencial. Os sábios sem nome podem ser cartomantes, videntes, epidemiologistas, tarólogos, médiuns, geógrafos, tradutores, matemáticos ou jornalistas. Escritores é que não porque o que lhes vai saindo (e que, repete-se, não se encontra em qualquer publicação científica) é, por norma, pouco articulado.
Assim sendo, só é possível especular e pensar que talvez se
trate de um grupo de matemáticos da Faculdade de Ciências de Lisboa, que parecem
ter presença assídua nas chamadas “reuniões do Infarmed”. E se é esse o caso,
estamos a falar de universitários que parecem que, sem conhecimento
especializado de epidemiologia, influenciam decisivamente o Presidente da
República e o Governo… mesmo quando asneiram.
Registe-se, porque dificilmente poderia ser mais certeiro, o
comentário certeiro de Raquel Varela publicado aqui: “Carlos Antunes, matemático que
aconselha o Governo ao confinamento e encerramento de escolas em declarações a
20 de janeiro: ‘Dia 10 ou 12 de fevereiro iremos atingir 17 mil casos diários’.
Temos, 15 dias antes disso, menos de 5 mil casos. Em ciência nem chamamos a
isto um ‘erro grosseiro’. Mesmo sem contar as duas semanas de falhanço nas
previsões e só olhando para o valor avançado por Carlos Antunes é um erro de
340%. Jorge Torgal, na mesma altura de Janeiro, catedrático de epidemiologia e presidente
do Conselho Nacional de Saúde: os números vão cair radicalmente em menos de 15
dias, entre outras razões porque há uma onda de frio que reduziu drasticamente.
Infelizmente o confinamento não irá – disse – impedir a catástrofe nos lares e
idosos sós e pobres. E vai criar ainda mais doentes de outras doenças não
tratadas, com mortes precoces e evitáveis. Para pensar assim são precisas 5
décadas de estudo multidisciplinar, independência científica e aquela dose
fundamental de um ingrediente famoso na produção científica – coragem
intelectual. Foi com base num ‘erro’ de 340% que se impuseram mais uma vez
medidas devastadoras para a saúde, economia, educação e democracia de um país
inteiro.”
E como é que aqui chegámos?
Os governos tiveram medo, tal como as pessoas sujeitas há mais de um ano às vagas de pânico dos telejornais. E entregaram-se nas mãos daquilo a que gostam de chamar “os peritos”. Os governantes foram escolhidos pelo voto para governarem, mas cederam à cobardia: fazem o que esses “peritos” (cujos lugares e salários, dependentes do Estado, não saem prejudicaos pela crise económica) lhes dizem e, se disso gosta o eleitorado transido de medo, já ganharam o dia.
Se olharmos para além-fronteiras, vemos dois casos
paradigmáticos. No Reino Unido, o epidemiologista Neil Morris Ferguson,
conhecido pelas suas previsões catastróficas, garantiu, no início do ano
passado, que morreriam meio milhão de pessoas vitimadas pelo vírus SARS-Cov2 se
o governo não fechasse o país. O governo fez o “lockdown” e não morreram meio
milhões de pessoas. Errou? Não. O seu argumento, muito “científico”, foi “Não
morreram, porque se fez o ‘lockdown’”. Na Suécia, onde as autoridades de saúde
são independentes do governo, o epidemiologista Anders Tegnell encabeçou outro
ponto de vista: restrições mínimas, cuidados máximos. Hoje, nem é necessário ir
mais longe: Portugal tem maior número de mortos associados à doença causada
pelo vírus, a covid-19, do que a Suécia. E menos liberdade e menos democracia
do que a Suécia.
O grande medo dura há mais de um ano. Deformou mentes,
aniquilou a capacidade de pensar, desfez o espírito crítico, criou um movimento
populista associado ao “ficar em casa” que é alimentado por quem, ficando em
casa, nunca perdeu salários e emprego e, no caso da função pública, nem sequer
os subsídios de refeição.
Dos “peritos” oficiais (compare-se com Tegnell, que, sem
calculismos de carreira, deu a cara desde o primeiro momento) nada se sabe a
não ser duas coisas: têm presença assídua nas televisões e nos jornais e
nenhuma nas publicações científicas, aquelas onde os cientistas legitimam o que
pensam, afirmam ou concluem em ensaios que passam pelo crivo dos seus pares.
Podem dizer o que quiserem, mas os seus argumentos têm de ter base sólida. Aos
“peritos” portugueses basta-lhes o “bitaite” científico com um erro de 340 por
cento.
A sociedade portuguesa é, hoje, uma sociedade bloqueada. Os
“peritos” oficiam como párocos e mandam como cardeais, a imprensa fechou-se por
completo ao contraditório, as vozes dissonantes foram silenciadas, todas as
mortes são “covid”, os hospitais públicos estão “cheios” porque saíram médicos,
foram reduzidas as capacidades de acolhimento, as estruturas residenciais de
idosos (os “lares”) continuam a ser o maior fornecedor dos mortos que
caracterizaram a presente crise sanitária, criaram-se mitos (o das máscaras
que, afinal, sendo tão generalizadamente usadas, não impediram o alastramento,
inevitável, dos contágios) e instalou-se uma atmosfera amnésica (a gripe nunca
existiu…) enquanto se transformava a noção de uma vacina desenvolvida à pressa
no Messias do século XXI.
Conheço pessoas que tiveram formação universitária, que liam,
que saíam para ir a restaurantes, que passeavam, que eram capazes de raciocinar,
de debater, que se riam e se divertiam. Hoje, pelo pouco que tenho percebido,
essas pessoas vivem, ou sobrevivem, enleadas no medo pegajoso de uma doença que
não mata como se dizia que mataria.
Procurei, a todas, dar-lhes elementos para pensarem por si. Falei-lhes
nas estatísticas (e não há outra maneira de avaliar a progressão de uma
doença), sugeri-lhes que, ao menos, ouçam e leiam o que não encontram nos
telejornais que vêem. Que usassem alguns minutos do seu tempo a fazê-lo. Em
vão. Devem pensar que eu, mente sã em corpo são, não passo de um enviado de
Satanás.
Este é o outro confinamento. Menos visível, talvez mais
perigoso. É o confinamento da capacidade de raciocinar. Da razão. A economia
pode sobreviver, os políticos poderão vir a ser substituídos mesmo que só
depois do “Reich dos Mil Anos” deles. Mas a razão, essa, morre e deixará à
solta os monstros que gerou.
Uma nota final
As visões alternativas à narrativa oficial (e com informações
sólidas e estatísticas e fontes bem identificadas) têm sido, sobretudo,
desenvolvidas por André Dias (em andre-dias.net), Jorge Torgal (em jorgetorgal.com), Lourdes Cerol Bandeira (em lourdescerolbandeira.eu), Pedro Almeida Vieira (em Nos Cornos da Covid) e Raquel Varela (em https://raquelcardeiravarela.wordpress.com). Um bom exemplo de imprensa
alternativa é o Farol XXI (em https://farolxxi.pt/).
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