O equívoco começa aqui: não há,
actualmente vinho “Quinta de Cabriz”. Já houve, salvo erro, e a designação
ficou. Mas não é a que existe e a empresa titular, a Global Wines, não usa para
os seus vinhos a indicação, que neste caso seria indirecta, de vinho de quinta.
Daí Cabriz, apenas.
E isto acontece porque os vinhos que
comercializa com a marca “Cabriz” não são vinhos de quinta, de uma determinada
quinta, de um determinado “terroir”. São vinhos que têm a indicação de serem do
Dão. Mas são-no porque nascem no Dão ou são-no porque as uvas são compradas no
Dão? Não se sabe. A origem das uvas é desconhecida. Mas até seria útil que,
para certo tipo de vinhos, e de acordo com a sua tipologia, fosse obrigatória a
menção da origem geográfica das vinhas.
Porque a sua ausência alimenta o
equívoco. Repare-se como os vinhos Cabriz estão por todo o lado. Não há uma
única cadeia de supermercados, do Continente ao Pingo Doce passando pelos menos
conhecidos E. Leclerc e Aldi, que não os tenha.
No site da empresa-mãe, a
Global Wines, há um quadro que indica a produção, por ano, de sete milhões de
garrafas. O número é dado a seco, ficando sem se saber se se refere apenas ao
Cabriz, ou também aos outros. Seja como for, há qualquer coisa de inquietante
neste número. E então na região do Dão…
E isto porque a base produtiva do
vinho do Dão não é a grande propriedade. É, na agricultura em geral, um tecido
de pequenas e médias propriedades. Esta fragmentação, que tem a ver com as
características sócio-económicas da região, deu origem a uma enorme quantidade
de quintas e muitas delas têm vinhos com características bem distintas, pelo
trabalho feito na plantação das castas e na organização das vinhas, pela
exposição solar, pela sua localização, pelo modo de elaboração dos seus
próprios vinhos. É esta diversidade que valoriza o vinho do Dão. É um mundo
multifacetado de sabores e aromas.
É por isso que a criação de um Dão
pronto-a-vestir é um equívoco e de pouco adianta à Global Wines exibir muitos
dos galardões que exibe. Porque o seu Cabriz, talvez até por ser um produto
tipificado, mantém um perfil uniforme, sempre igual. Não há variações ao sabor
da orografia. A garrafa que aparece à venda no Continente tem um conteúdo
precisamente igual à garrafa da mesma marca que está à venda no Pingo Doce.
Poderá argumentar-se que, seja como
for, e graças apenas ao rótulo, o vinho Cabriz ajuda a promover o Dão. Eis
outra face do equívoco: o vinho Cabriz, com o seu perfil de vinho fácil, que,
que tanto pode ser do Alentejo como do Douro, não é um cartão de visita do Dão.
Muitos desses consumidores torcerão o nariz aos mais genuínos e legítimos
vinhos do Dão, porque o seu carácter não é o do vinho fácil de beber.
Há pouco tempo bebi um Cabriz
Touriga Nacional de 2016. Apesar de uma primeira impressão de baunilha, era bom
e aguentou o teste das vinte e quatro horas, manifestando ainda as suas
qualidades no dia seguinte. Mas ao que este Touriga Nacional me soube foi a
vinho do Douro.
Era, aliás, diferente de um outro Touriga Nacional da marca
Cabriz que bebi num almoço no restaurante mantido pela Global Wines há poucos
anos. Era melhor e mais genuinamente do Dão, mas suscitou-me uma dúvida: não
era só feito de Touriga Nacional, apesar da informação no rótulo. E quem estava
na loja confirmou a minha impressão. Mas, apesar dessa discrepância, tinha o
sabor dos vinhos do Dão.
Se o vinho comercializado pela Global
Wines (com a marca “Cabriz” e não “Quinta de Cabriz”) não me satisfaz, já o
restaurante que a empresa mantém em Carregal do Sal com a designação Quinta de
Cabriz é altamente satisfatório.
Tem apresentação e cozinha a condizer,
preços equilibrados, um bom serviço e uma carta de vinhos bem pensada. E isto
porque inclui o conjunto dos vinhos da empresa, que também estão disponíveis na
loja existente no local, a preços muito racionais. É uma forma inteligente de a
Global Wines promover os seus produtos, numa boa correspondência com a
gastronomia beirã em que a cozinha do restaurante se esmerou. E beneficia,
naturalmente, da associação ao vinho que está em todo o lado com a mesma marca.
Se o conceito do vinho de marca Cabriz
é óbvio, já a Global Wines não o é. Mostra-se pouco e, em termos públicos, dela
saber-se-á ainda menos.
Nasceu da empresa Dão Sul (criada em
1990 e, aparentemente, ainda existente, sendo indicada com esta designação pela
Comissão de Vinicultura da Região do Dão) e alargou a sua actividade às regiões
da Bairrada, do Douro e do Alentejo e, no exterior, ao Brasil e à China. Terá,
mais recentemente, comprado a União Comercial da Beira, também de Carregal do
Sal.
O site da Global Wines, porém, está
“parado” em 2015 e é pouco explícito em vários domínios, como é o caso dos sete
milhões de garrafas anuais produzidas (um número em bruto, onde, por exemplo,
seria interessante saber-se qual a percentagem que vai para discutíveis “marcas
brancas” dos supermercados Lidl e Continente), o caso dos seus dois
accionistas ou a localização dos 30
hectares de vinhas orgânicas e dos outros 450 hectares (não orgânicos?) que
terá em Portugal.
Dos vários vinhos que a empresa
comercializa, o Quinta do Encontro, um bairradino que combina,
surpreendentemente bem, as castas Baga e Merlot, parece ser o melhor de todos.
Nota-se bem o peso da Baga e a Merlot equilibra-a, sem a abafar.
Da antiga
propriedade conhecida por Paço dos Cunhas, em Santar, sai também o Paço dos
Cunhas Nature, orgânico e sem estágio em madeira. Ou seja, sem o sabor
adocicado que mancha a maioria (mas não todos) dos vinhos estagiados em
madeira. Estes pormenores não existem no site da Global Wines, de fotografias
bonitas e informações escassas, que dá todo o destaque à marca “Cabriz”, com
site próprio. Comercialmente, compreende-se.
Poderá defender-se que um vinho dito “do
Dão” como Cabriz, e apesar das suas características, será sempre uma mais-valia
para promover o Dão. Pode acontecer, mas o vinho do Dão a sério não é este. E
os prémios obtidos no estrangeiro significarão pouco se apenas reflectirem
vinhos feitos à medida das modas do mercado.
Não sei há quanto tempo existem as
marcas “Meia Encosta”, “Terras Altas” e “Grão-Vasco”, mas lembro-me de os ter
bebido antes de começar a apreciar e a compreender o vinho, antes de conhecer
os melhores vinhos do Dão. Depois, nunca mais os provei. Cabriz situa-se, para
mim, nesse patamar negativo. Dão? Nem dado.
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